Milagres: curas milagrosas

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 383/1994

 

Em síntese: Vai abaixo reproduzida uma entrevista concedida pela Dra. Suzanne Cano-Scheidegger ao periódico Le Point sobre curas milagro­sas. As suas considerações, provenientes de alguém que estuda os fatos numa perspectiva científica, sem levar em conta os dados da fé, têm signifi­cado particular. Evidenciam que, para a ciência mesma, há fatos inexplicá­veis, que nem a medicina nem a psicologia e a parapsicologia elucidam. A ciência não fala explicitamente de Deus e de intervenções extraordinárias de Deus, mas deixa o espaço aberto para que uma instância ulterior, a da fé, coloque aí uma explicação que, embora transcenda os limites da ciência, não contradiz a esta.

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O santuário de Lourdes é um dos maiores centros em que se manifes­tam a fé dos católicos (e também de não católicos) e a resposta de Deus mediante curas milagrosas. A Igreja não é propensa a admitir milagres com facilidade ou precipitadamente. Por isso manda examinar atentamente os casos tidos como portentosos: de 6.000 casos de pessoas que se considera­ram ou consideram milagrosamente curadas em Lourdes, apenas 65 foram reconhecidos como autênticas curas milagrosas. Ora, precisamente para apurar melhor o que seja um milagre aos olhos da ciência, a Dra. Suzanne Cano-Scheidegger elaborou sua tese sobre a temática, muitas vezes evitada por seus colegas; o título do seu trabalho é “Consideração científica das curas milagrosas” (Approche scientifique des guérísons miraculeuses).

Sobre esta obra, a autora foi entrevistada pela revista Le Point[1]; donde resultaram os seguintes depoimentos:

Suzanne: “O que perturbou, a princípio, foi uma pesquisa da So­fres que indicava que 60% dos franceses julgam desejável recorrer a outros meios que não os da medicina convencional. Creio que muita gente confunde a medicina paralela e o milagre da cura tal como é descrito na Bí­blia. Procurei dar explicação racional às curas milagrosas”.

Le Point: “Como a Sra. procedeu?”

Suz.: “Colecionei as referências científicas, médicas e teológicas. Creio que Jean-Jacques Rousseau chama isso ‘uma loja de idéias verdadei­ras e errôneas, mas claras’. E tomei a resolução de me ater ao que verificas­se empiricamente, sem concluir de maneira preconcebida”.

L. P.: “Existe rivalidade entre religião e medicina em matéria de saú­de e de curas?”

Suz.: “Não. Mas as definições são diferentes. Assim, na Bíblia a doen­ça é definida como desarmonia entre o espírito, a alma e o corpos[2]. E a cura como o retorno à harmonia entre estas três dimensões”.

L.P.: “Como a medicina explica as curas que a Igreja reconhece como milagrosas?”

Suz.: “A medicina não fornece explicações, mas formula hipóteses. Primeiramente, no que concerne ao câncer, os casos de cura espontânea são publicados regularmente pela imprensa médica. Dá-se o nome de ‘cura espontânea’ ao desaparecimento de um tumor ou de suas metásteses sem que tenha havido qualquer terapia ou tratamento. Enquanto sei, contamos 367 casos de cura espontânea no mundo, ou seja, uma para 60.000 a 100.000 episódios de câncer. As hipóteses se baseiam na genética mole­cular e nos mecanismos imunológicos. A tese psicossomática, muito pre­sente nas tradições populares, está menos na moda, pois nada permite seriamente concluir que haja uma influência do psiquismo sobre a cura. Restam os mistérios do efeito placebo, que não estão explorados por completo”[3].

L.P.: A tese do milagre é menos sofisticada. . .”.

Suz.: “Nenhuma explicação científica é satisfatória. Estou feliz por ter averiguado, com surpresa, ao elaborar minha tese, que certos médicos descreviam o caso do 649 miraculado: um italiano de 23 anos de idade, chegou a Lourdes em maio de 1963, afetado por um tumor maligno na ba­cia. Jazia sobre a sua maca, sem apetite, e sofria tanto que o seu estado exigia constante aplicação de calmantes. Desde o seu primeiro banho nas águas de Lourdes, recuperou o apetite e já não precisou de sedativos. Em 1972, quando foi reconhecido pela Igreja como recuperado milagrosamen­te, o seu estado geral era excelente”.

L.P.: “Qual é precisamente o trâmite para averiguar o milagre?”

Suz.: “O controle é muito rigoroso e codificado. O Bureau Médical (Ofício de Controle Médico) de Lourdes, constituído por médicos, exami­na o paciente ‘curado’ e deve decidir, por maioria de dois terços, que a cura é real. A seguir, o caso é entregue à Comissão Médica Diocesana e, de­pois, ao Comitê Médico Internacional de Lourdes. Este reúne professores de medicina de oito a dez países, independentemente das respectivas con­fissões religiosas. Após este tríplice exame, toca ao Bispo da diocese do paciente reconhecer definitivamente a índole milagrosa da cura. . .”

L.P.: “Pode-se definir o milagre?”

Suz.: “A ciência se baseia no determinismo; segundo ela, tudo pode ser explicado pelas leis da natureza. A religião, porém, define o milagre co­mo um fato sensível produzido por Deus, fora das leis da natureza”.[4]

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Têm significado particularmente importante estas poucas considera­ções sobre o milagre, provenientes de uma médica que estudou os fatos numa perspectiva científica, sem levar em conta os dados da fé. Evidenciam que, para a ciência mesma, há fatos inexplicáveis, que nem a medici­na nem a psicologia e a parapsicologia elucidam. A ciência não fala expli­citamente de Deus e de intervenções extraordinárias de Deus, mas deixa o espaço aberto para que uma instância ulterior, a da fé, coloque aí uma explicação que, embora transcenda os limites da ciência, não contradiz a esta. A fé supõe a ciência e leva as conclusões desta a um termo superior; a ciência, por sua vez, limitada como é, não rejeita de antemão as luzes de fonte superior.

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NOTAS:

[1] Cf. Le Point, 111116/10/1993, p. 51.

[2] A tríade ‘espírito, alma e corpo’ é platônica. A filosofia e a Teologia Cristãs admi­tem apenas alma e corpo. São Paulo não pretendia ensinar determinada antropologia, pois em suas cartas é muito oscilante o significado dos termos psyché (alma) e pneu­ma (espírito); cf 1 Ts 5.23.

[3] O efeito placebo é a melhora obtida pela aplicação de uma terapia que, como tal, é nula (injeções de água, por exemplo). Esse tratamento pode fazer bem ao paciente por sugestão, porque lhe agrada (placet) aquilo que o médico lhe aplica.

[4] “Fora das leis da natureza “ou, conforme dito à p. 151 deste fascículo: ‘levando a natureza a servir a um desígnio de Deus salvifico mais amplo e mais denso”.

 

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