(Revista Pergunte e Responderemos, PR 383/1994)
Em síntese: A possibilidade do milagre é contestada hoje em dia em nome de correntes da ciência, da filosofia e até da Teologia; alegam que não conhecemos suficientemente as forças e as leis da natureza para poder dizer que determinado fenômeno supera as leis da natureza e só se explica pela intervenção de Deus.
Respondemos que o milagre não consiste essencialmente em ser portento absolutamente inexplicável pela ciência; mas, antes do mais, o milagre é um sinal de Deus para os homens, que Lhe pedem uma expressão de seu amor ou sua bondade. Para que haja tal sinal, basta que o fato seja totalmente inexplicável pela ciência contemporânea ao fenômeno e que se tenha produzido em contexto digno de Deus ou como resposta de Deus à prece humilde e confiante dos homens. Fora desse contexto religioso não se pode falar de milagre; haverá então um fenômeno paranormal ou coisa semelhante.
O cristão não crê necessariamente por causa de milagres, mas, sim, por uma atração íntima de Deus sobre o coração da criatura (cf. Jo 6,44); essa atração não tira a liberdade do homem. Por isto, a fim de que creia inteligentemente e não, de maneira cega, o cristão é apoiado por credenciais das verdades da fé; entre essas credenciais está certamente o milagre… milagre que há de ser criteriosamente examinado e peneirado por peritos, a, fim de que não se identifique um fenômeno parapsicológico ou meramente natural com uma intervenção significativa de Deus.
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Em nossos dias verifica-se um certo ceticismo em relação aos milagres. As razões disso parecem ser duas: 1) a ciência, progredindo, tem mostrado que muitos fatos, outrora inexplicáveis, hoje são plenamente compreensíveis aos estudiosos (principalmente a psicologia e a parapsicologia têm contribuído para isso); 2) houve, e ainda há, no ser humano um gosto, consciente ou não consciente, pelo maravilhoso, de modo que facilmente se inventaram estórias portentosas e se admitem intervenções extraordinárias do além no curso ordinário da história. Daí as sérias reservas que muitos fazem no tocante aos milagres. Assim, por exemplo, um “biógrafo” de Jesus, chamado M. Cravieri, escreveu: “Não vem ao caso nem mesmo discutir a credibilidade dos milagres” (Un uomo chiamato Gesu,Teti, Milão 1993, p. 45). De antemão, os milagres são descartados como algo de lendário.
Ora, o Evangelho narra milagres de Jesus. E até hoje a Igreja, seguindo uma tradição ininterrupta, admite a possibilidade de milagres, a tal ponto que, para proceder à Beatificação e à Canonização de uma pessoa santa, a Igreja espera que Deus realize algum milagre por intercessão desse seu Servo ou dessa sua Serva (como se compreende, trata-se de milagres rigorosamente examinados por cientistas e teólogos).
Diante desta problemática, consideraremos a questão básica: pode haver milagres? As histórias maravilhosas que se narram, contém algo mais do que lendas fantasiosas? Começaremos expondo
1. O HISTÓRICO DA QUESTÃO
Até o século XVI pode-se dizer que era tranqüila a aceitação de milagres como intervenções extraordinárias de Deus no curso da natureza. A partir do século XVI, porém, o racionalismo vem afirmando que o milagre é impossível e absurdo, pois seria contrário às leis da natureza, que o próprio Deus estabeleceu e que Ele não pode violar sem contradizer á sua Sabedoria.
Assim, Baruch Spinoza (+ 1677), judeu de mentalidade panteísta, dizia que as leis da natureza são decretos de Deus, emanados da necessidade e da perfeição da natureza divina. Qualquer violação dessas leis seria violação da natureza do próprio Deus — o que é absurdo (cf. Tractatus theologico–politicus c. VI: De Miraculis). O que chamamos milagre, seria apenas algo que ultrapassa os nossos conhecimentos ou algo que julgamos ultrapassá-los. É a nossa ignorância que nos leva a falar de milagre.
Também Pierre Bayle (+ 1706), um dos mestres do racionalismo moderno, dizia que nada é mais digno da grandeza de Deus do que manter as leis que Ele instituiu, e nada é mais indigno do que crer que Ele intervém para derrogar a essas leis.
No século XVIII, semelhantes idéias foram propostas por David Hume (+1776) e François Voltaire (+1778). Este afirma que o milagre é uma derrogação das leis matemáticas divinas, imutáveis, eternas; por isso, o próprio conceito de milagre seria contraditório (Dictionnaire Philosophique, vol. 6, verbete Miracles); por isso, crer em milagres seria dar prova de imbelicidade: “Imaginar que Deus faça milagres em favor dos homens – formigas e lama – é insultar a Deus. Donde crer em milagres é absurdo; equivale, de certo modo, a desonrar a Deus”.
No século XIX, a recusa de milagres tentava apoiar-se na ciência. Esta ensinava que o universo é um sistema fechado em si, ao qual nada de fora pode sobrevir. Por isso, tudo o que acontece no universo deve ter uma explicação natural. Se esta não é perceptível, confessemos que não conhecemos as infinitas possibilidades da natureza. O que hoje não é explicável, será elucidado no futuro. Ademais, o universo é regido pelo determinismo: “As condições necessárias para que se realize algum fenômeno são precisas e intocáveis. Negar este princípio equivale a negar a própria ciência” (Claude Bernard).
Daí dizer Ernest Renan: “Os milagres são coisas que nunca acontecem. Somente os crédulos simplórios os vêem; não se pode citar um único milagre realizado diante de testemunhas que o pudessem averiguar. . . Por isto, quem admite o sobrenatural, está fora do âmbito da ciência” (Vie de Jesus, Paris, Lévy 1863).
No século XIX, ainda G. Séailles, apelando para o determinismo científico, afirmava que “por seus princípios e suas conclusões, a ciência elimina o milagre” (Les affirmations de Ia Science Moderne, Paris 1909, p. 32).
Aliás, os próprios estudiosos da Bíblia protestante, impregnados de racionalismo, puseram-se a negar os milagres. O mais famoso nesta linha foi Rudolf Buitmann (+1976): tinha os milagres na conta de mitos ou de expressões da mentalidade simplória e infantil dos antigos; seriam relatos totalmente incompreensíveis ao homem moderno: “Não se pode utilizar luz elétrica e os aparelhos de rádio e, ao mesmo tempo, crer no mundo dos espíritos e nos milagres do Novo Testamento. Quem julga que o pode, torna a mensagem cristã incompreensível e impossível para o nosso tempo” (L’interprétation du Nouveau Testament, Paris 1955, p. 143). — O milagre seria, pois, anticientífico e inconcebível. Se a S. Escritura os descreve, quer ela unicamente dizer-nos que Deus se revela ao homem. “Deus se revela dando perdão aos pecadores” (Zur Frage dês Wunders.em Glau-ben und Verstehen, vol. l, Tübingen 1933, p. 221).
Enquanto a filosofia racionalista procurava remover o conceito de milagre, os pesquisadores da história das Religiões, a seu modo, contribuíram para esvaziar também eles a noção de milagre.
2. AS RELIGIÕES COMPARADAS
Os pesquisadores têm posto em relevo os relatos de curas maravilhosas obtidas nos santuários pagãos da antigüidade e querem assemelhar as narrações do Evangelho a tais relatos.
Assim, nos santuários gregos de Asclépio e Epidauro, quatro lápides do século IV a.C., referem oitenta portentos (geralmente curas), realizados durante a noite enquanto os devotos dormiam no santuário da Divindade: sonhavam com o deus Asclépio, que intervinha efetuando uma operação cirúrgica; depois de acordar, recebiam do deus-médico uma recomendação a seguir para manter a saúde. Entre os muitos casos de “cura”, narra-se o de Aristágora: sofria de vermes nos intestinos; foi então passar a noite num templo de Asclépio e sonhou: Asclépio estava ausente, pois fora a Epidauro; mas os seus filhos, querendo curá-la, cortaram-lhe a cabeça; não conseguindo repor a cabeça da paciente no seu lugar, enviaram uma mensagem a Asclépio, pedindo-lhe que voltasse. Entrementes, fez-se dia, e o sacerdote de plantão viu a cabeça longe do busto de Aristágora. Na noite seguinte, porém, a paciente teve uma visão: parecia-lhe que Asclépio, tendo voltado de Epidauro, lhe recolocava a cabeça no lugar; depois disso, abriu o ventre de Aristágora e extraiu-lhe os vermes; costurou-lhe, a seguir, a barriga. Em conseqüência, Aristágora ficou curada (cf. E. de Places, La Religion Grecque, Paris 1969, p. 237).
A simploriedade desta e de outras narrativas de milagres atribuídos aos deuses pagãos, é aduzida pelos historiadores para desacreditar os milagres de Jesus Cristo.
Também se apontam os portentos atribuídos a filósofos taumaturgos da antigüidade, entre os quais Apolônio de Tiana, do século I d.C. A sua biografia foi redigida por Filostrato, em 271 aproximadamente; o biógrafo refere cerca de vinte milagres de Apolônio: ressurreição de um morto, cura de um homem vítima de obsessão; cessação de peste em Éfeso, sendo que Apolônio revelou o demônio que causava a moléstia e o mandou apedrejar; o corpo do maligno ter-se-á elevado dois côvados acima do solo; Apolônio transferiu-se instantaneamente de Esmirna para Éfeso, encontrando o mar muito calmo, apesar da estação turbulenta; o taumaturgo denunciou uma espécie de vampiro feminino chamado Empusa e acalmou um sátiro (outra espécie de mau espírito) apaixonado; conseguiu romper a corrente que prendia uma de suas pernas no cárcere e fez que as portas de um templo se abrissem para deixá-lo passar. Ora, M. Craveri julga que tais milagres de Apolônio de Tiana se assemelham extraordinariamente aos de Jesus (cf. Un uomo chiamato Gesú, p. 46); tal conclusão é evidentemente forçada, visto que os milagres de Jesus no Evangelho são narrados com sobriedade, evitando-se expressões e cenas fantasiosas.
3. CATÓLICOS OBJETAM CONTRA OS MILAGRES
Não somente os racionalistas, mas também estudiosos católicos fazem reservas aos milagres e, se não os negam frontalmente, preferem ignorá-los. Apoiam-se principalmente nos resultados da ciência contemporânea. Precisamente a ciência em nossos dias reconhece que lhe escapam as leis da natureza; estas estão sempre sujeitas a revisão e reformulação; como então se pode dizer que acontecem fatos não conformes às leis da natureza ou milagrosos? A ciência tem por tendência fundamental procurar a explicação natural dos fatos extraordinários, tornando ordinário o extraordinário. Por conseguinte, a ciência não reconhece o milagre como superação das leis da natureza (tão obscuramente conhecidas pêlos pesquisadores).
Também em nome da fé, há católicos que recusam os milagres, tidos como intervenções no curso natural das coisas. Perguntam: se Deus age arbitrariamente usando o seu poder, que é feito da liberdade e da responsabilidade do homem? E, se Deus assim procede por bondade, por que não o faz sempre? O maravilhoso é sempre uma exceção. . . e uma exceção decorrente dos caprichos de Deus; tira ao homem o domínio do mundo, que os cientistas procuram adquirir mediante o seu estudo. A autenticação divina no mundo deveria confirmar e aperfeiçoar a natureza, nunca a suspender.
Em suma, dizem: caso se possa constatar algum fato portentoso, há de ser considerado manifestação de forças naturais ainda não conhecidas e dominadas pelo homem. O número de milagres tem diminuído com o progresso das ciências e tende a extinguir-se.
4. A RESPOSTA DA TEOLOGIA CATÓLICA
Distinguiremos três pontos:
4.1. O milagre-sinal
A Teologia Católica reconhece que não penetramos a fundo a natureza e suas leis para poder dizer que tal ou tal fato viola peremptoriamente as leis da natureza. Todavia, é de notar que o essencial do milagre não é superar as leis da natureza; não é oferecer um show da Onipotência Divina, embora este aspecto seja o que mais ocorre ao público quando se fala de milagre. O essencial do milagre é, antes, ser um sinal. . ., um sinal eloqüente de Deus aos homens.
Para tanto, basta que o fato tido como portentoso seja inexplicável aos homens no momento em que ocorre (a questão de saber se, decênios mais tarde, será explicável não vem ao caso). É necessário, porém, que o fato portentoso ocorra em contexto religioso, como resposta de Deus a uma prece humilde e fervorosa; o milagre assim entendido é um acontecimento que Deus utiliza para evidenciar aos homens a sua presença e a sua ação providencial.
Assim, pode-se dizer que no milagre Deus não intervém necessariamente para derrogar às leis da natureza (embora Ele o possa, já que Ele é o Senhor da natureza, infinitamente sábio, santo e poderoso), mas para fazê-la servir a um desígnio de Deus salvifico mais amplo e profundo ou para fazer da natureza um instrumento de efusão mais densa da sua graça. A fé cristã ensina que no fim dos tempos o Reino de Deus consumado implicará a remoção de toda imperfeição física ou moral existente nas criaturas. Pois bem: o milagre há de ser considerado nesta perspectiva; é uma antecipação da ordem final ou da restauração plena da natureza ferida pelo pecado (o milagre geralmente é uma cura, é a solução esplêndida de um problema, é o término imprevisto de uma aflição. . .) Desta maneira – repita-se – o milagre é sempre um sinal, um sinal religioso que prefigura a plenitude do Reino de Deus iniciado por Cristo aqui na Terra.
Tal é a razão pela qual o autêntico milagre só pode ocorrer em contexto religioso. Caso este venha a faltar, tem-se um fato anormal, talvez explicável pela parapsicologia. Observemos: tal contexto religioso deve ser digno de Deus, ou seja, isento de charlatanismo, vaidade, imoralidade, ilusionismo. . . Nunca será considerado milagre um fato que dê lucro financeiro ao taumaturgo ou sirva para alimentar o orgulho do mesmo ou satisfazer à sensualidade; também não é milagre o que ocorre para satisfazer à curiosidade dos espectadores, pois Jesus recusou agir em resposta aos fariseus mal intencionados que queriam um sinal do céu (cf. Mt 16,1-4).
4.2. A falsa concepção de Renan
Na base das afirmações até aqui apresentadas, verifica-se quão despropositadas são as páginas de Renan, na sua Vie de Jésus (1863, pp.L-LIII), em que formula as condições para que haja milagre. Diz o seguinte:
“Nenhum milagre jamais ocorreu perante um grupo de homens capazes de averiguar a índole milagrosa do fato… Por conseguinte, não é em nome desta ou daquela filosofia, mas em nome de uma constante experiência, que nós banimos da história o milagre. Nós não dizemos: ‘O milagre é impossível’, mas dizemos: ‘O milagre é algo jamais averiguado até hoje’”.
Para que se possa falar de milagre, Renan põe as seguintes condições:
“Se amanhã aparecesse um taumaturgo com credenciais sérias e declarasse que ele poderia ressuscitar um morto, que se deveria fazer? Nomear-se-ia uma comissão de fisiólogos, físicos, químicos, e pessoas peritas em crítica histórica. Essa comissão escolheria um cadáver; averiguaria estar realmente morto; designaria a sala em que se deveria fazer a experiência, determinaria o conjunto de precauções a tomar para não deixar lugar a dúvida alguma. Se em tais condições ocorresse a ressurreição, ter-se-ia uma probabilidade quase equivalente à certeza. Todavia, já que toda experiência deve poder repetir-se e visto que, em se tratando de mi/agre, não existem as categorias de fácil ou difícil, o taumaturgo deveria ser convidado a repetir o seu gesto maravilhoso. Se, em todas as tentativas de repetição, o milagre ocorresse, estariam comprovadas duas coisas: 1) no mundo acontecem fatos sobrenaturais; 2) o poder de os produzir é conferido a certas pessoas. Mas quem não vê que jamais um milagre aconteceu em tais condições?”
Em resposta, podemos dizer que realmente um milagre nunca aconteceu nem acontecerá em tais circunstâncias, porque lhe faltaria a condição essencial do milagre, isto é, o contexto religioso de oração, humildade e confiança na Misericórdia de Deus. Se Deus realizasse um milagre nas circunstâncias enunciadas por Renan, faria um ato de prestidigitação, um show, e não uma obra religiosa ou um sinal-resposta como é o milagre; prestar-se-ia a satisfazer à curiosidade e ao orgulho dos homens que pretendessem impor a Deus as circunstâncias dentro das quais Ele deveria agir para merecer a fé das suas criaturas.
4.3. Uma dúvida
As explicações dadas deixam margem à seguinte interrogação: o milagre é tido como um sinal de Deus. . . Mas como saber que é efeito da Sabedoria Divina, quando poderia muito bem ser tido como produto das leis da natureza que ainda desconhecemos?
Respondemos: se o milagre não fosse devido a uma intervenção especial de Deus, mas, sim, às forças da natureza desconhecidas, essas forças deveriam agir em qualquer contexto, quer religioso, quer profano. Ora, os milagres ocorrem em contexto religioso, e não em contexto profano. E note-se bem: os milagres não são fatos esporádicos e raros; são fatos numerosos, bem peneirados e diagnosticados por peritos (veja-se o artigo seguinte deste mesmo fascículo). Se se tratasse de casos isolados e raros, poder-se-ia admitir coincidência entre o fato portentoso e o contexto religioso. Assim, no tocante a Lourdes registram-se numerosos fatos inexplicáveis pela ciência… Será admissível que somente em Lourdes ou em lugar onde se implora humildemente uma cura ou um sinal de Deus, as forças desconhecidas da natureza produzem seus efeitos portentosos? Se são simplesmente as leis da natureza que se exercem quando falamos de milagres, por que só se exercem em circunstâncias religiosas? — Alias, é falso dizer que hoje em dia ocorrem menos milagres do que outrora; o que acontece é que outrora mais facilmente se acreditava ser milagre o que era um simples fenômeno parapsicológico ou fisiológico ou físico.
Ademais, é de notar que, para se poder falar de milagre, é necessário que o fenômeno portentoso seja instantâneo e cabal; não ocorra paulatina e progressivamente, como acontece nas curas obtidas por ação da própria natureza. A sugestão pode curar estados de ânimo perturbado ou moléstias psicogênicas; a cura geralmente é progressiva em tais casos. Ora, o milagre supõe doenças orgânicas, ás vezes em fase terminal ou quase terminal. . ., obtendo-se então a cura instantânea ou extraordinariamente rápida.
Além disso, observa-se que em grupos religiosos (ou não religiosos) não católicos ocorrem fortes emoções, estados de ânimo entusiástico, que poderiam levar a curas milagrosas. Todavia, verifica-se que somente no Catolicismo se dão fenômenos portentosos em número relevante, devidamente examinados e diagnosticados por peritos não católicos. As forças desconhecidas da natureza só teriam o poder de atuar em ambiente católico? A resposta a esta pergunta é negativa; se somente as forças da natureza entrassem em jogo, quando se fala de milagres, deveria haver milagres solidamente comprovados em ambientes religiosos não católicos e em ambientes profanos. Ora, tal não se verifica — o que quer dizer que, quando se fala de milagre no Catolicismo, se supõe uma intervenção de Deus especial que move as forças da natureza para agirem de modo extraordinário aos olhos de quem acompanha o fenômeno.
Resta agora considerar outra objeção que alguns católicos fazem contra o valor do milagre.
5. CRER POR CAUSA DOS MILAGRES OU APESAR DOS MILAGRES?
Há católicos que se sentem embaraçados pela apresentação de milagres e afirmam crer não por causa dos milagres, mas apesar dos milagres.
A propósito, deve-se afirmar que o cristão não crê em Cristo e na Igreja por causa dos milagres. Não há razões humanas cuja evidência obrigue o homem a crer; a fé será sempre uma adesão à Palavra de Deus no claro-escuro ou na penumbra. É a resposta a Deus que chama a atenção e atrai, mas deixa a liberdade ao homem para que diga Sim ou Não ao Senhor.
Deve-se, porém, dizer que, se a fé é um ato da inteligência humana que responde à Verdade de Deus, ela não é um ato cego, mas um ato baseado sobre credenciais. Por isso, à atração interior de Deus que chama, se associam motivos extrínsecos ou critérios racionais que evidenciam a credibilidade[1] da Palavra de Deus; entre esses critérios extrínsecos e racionais estão os milagres. Estes são fatos experimentais, que a inteligência humana examina com todo o seu acume; quando ela verifica que são sinais de Deus inexplicáveis pelas forças da natureza, a inteligência humana os assume como credenciais das verdades da fé. Diz o Concilio do Vaticano l:
“A fim de que o obséquio da nossa fé seja consentâneo com a nossa razão, quis Deus que, com os subsídios interiores ministrados pelo Espírito Santo, fossem dadas provas exteriores da Revelação, isto é, fatos divinos, em primeiro lugar os milagres e as profecias, que são certíssimos sinais da revelação divina” (Constituição Dei Filius, de 24/04/1870).
Por conseguinte, o cristão não crê por causa dos milagres, mas é ajudado por estes, visto que os milagres tornam razoável o ato de fé e assim também o tornam mais fácil.
Como sinal de Deus, o milagre é uma ajuda ao ato de fé. . ., ajuda em duplo sentido: 1) para o homem indiferente e distante de Deus, pode ser uma “sacudidela”, um empurrão que o leve a colocar o problema de Deus, da religião e da fé, pois lhe abre perspectivas que fogem à rotina dos acontecimentos; 2) para a pessoa que já crê, o milagre pode ser um apoio em suas dúvidas e tentações. Particularmente em nossos dias, quando a fé é atacada de vários modos e o cristão ressente os embates respectivos, o milagre é um sinal de que Deus está presente à história dos homens; o milagre é uma entrada de Deus no cotidiano dos homens, que lhes chama a atenção e aviva a convicção de que o amor de Deus não esquece os homens mesmo nos momentos de mais intenso silêncio.
Este artigo muito deve ao Editorial de La Civilità Cattolica, n.º 3.443, 4/12/1993, pp. 425-438.
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NOTA:
[1] Credibilidade quer dizer que a adesão do homem às verdades da fé pode ocorrer sem derrogar à dignidade da razão humana.