(Revista Pergunte e responderemos, PR 443/1999)
Em síntese: Visto que há autênticos e meramente aparentes milagres, é importante apresentar ao público os fatos extraordinários que, após meticulosos exames médicos, a Igreja considera milagrosos. Para cada canonização de fiéis não martirizados, a Igreja espera que Deus lhe dê um sinal da santidade de tais pessoas, sinal (“semeion”, conforme São João) que geralmente é uma cura portentosa, tida como inexplicável pela mais rigorosa perícia médica. No caso de Ir. Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein), deu-se a cura de Benedicta McCarthy relatada abaixo.
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Edith Stein foi uma judia, dedicada ao estudo da Filosofia e, posteriormente, convertida ao Catolicismo. Fez-se Religiosa Carmelita em Colônia com o nome de Ir. Teresa Benedita da Cruz; a fim de evitar a perseguição nazista, passou para a Holanda, onde acabou sendo presa; levada para o campo de concentração de Auschwitz, lá faleceu em câmara de gás no ano de 1942. Sua fidelidade heróica a Cristo lhe valeu a fama de santidade, de que resultou um processo de Beatificação. Esta ocorreu realmente a 12 de maio de 1987 em Colônia. Poucas semanas antes, dera-se um milagre obtido por sua intercessão, milagre que, devidamente examinado, veio a ser o sinal de Deus a confirmar a santidade da corajosa Irmã. Uma vez terminada a perícia, teve lugar a canonização de Ir. Teresa Benedita da Cruz aos 11 de outubro de 1998 em Roma.
Já que há justificada reserva diante da notícia de milagres, importa que o público tome conhecimento de algum espécimen de autêntico milagre reconhecido pela Igreja como sinal de Deus comprovante da santidade de alguém. Eis por que, a seguir, relataremos o ocorrido em favor de uma menina tida pela medicina como incurável.
1. A Sucessão dos Fatos
Aos 20 de março de 1987, o Pe. Emmanuel Charles McCarthy, sacerdote católico de rito bizantino nos Estados Unidos, juntamente com sua esposa Mary, voltava para casa após um retiro. Tinham doze filhos, dos quais a mais velha, de dezenove anos, fora encarregada de prover aos irmãos na ausência dos pais. Estes ficaram muito surpresos quando, ao chegarem, lhes foi dito que Benedicta, a caçula, tendo sofrido convulsões um tanto estranhas, fora internada num Hospital de emergência.
Angustiados, os pais foram sem demora procurar a filha no Hospital de Brockton, no Estado de Massachusetts, a cerca de cinqüenta quilômetros de Boston. Lá os médicos conseguiram detectar a origem da crise: a menina desprevenidamente ingerira uma dose de comprimidos analgésicos equivalente a dezesseis vezes a dose mortífera. O Hospital tinha a fama de ótima instituição no seu gênero; a paciente ficou aos cuidados do gastroenterologista de crianças Dr. Ronald Kleinman, judeu. Embora tenha aplicado todos os recursos da mais avançada medicina, o médico não via resultado algum: os rins deixaram de funcionar e o fígado atingiu um volume cinco vezes acima do normal. Era indicado um transplante de fígado a ser feito imediatamente; sem isto, esvaecia-se toda esperança de recuperação da menina. Todavia não se encontrava o benéfico doador!
Era domingo. O Pe. MacCarthy viu-se diante de doloroso dilema atender a um compromisso pastoral à distância, deixando a família angustiada, ou ficar com a filha e os familiares, cancelando qualquer compromisso fora. Mais precisamente: devia tomar um avião para ir pregar no Estado de Dakota do Norte num retiro de três dias sobre o Sermão da Montanha. Poderia encontrar a filha morta ao regressar do retiro. Precisamente um ano antes, Mary vira morrer, pouco depois de nascer, o seu décimo terceiro filho. Seria lícito ao marido deixá-la só à cabeceira de Benedicta? Enquanto hesitava, após uma visita ao Hospital, deparou-se com um livro que jazia por terra: A Via da Perfeição de Santa Teresa de Ávila. Abriu-o e encontrou uma passagem em que Jesus diz à Santa: “Ocupa-te com as minhas coisas e eu me ocuparei com as tuas”.
Tais palavras foram, para o Pe. Emmanuel Charles, decisivas. Às 11h 30 mm decolou de Boston e, chegando a destino, deu início às suas práticas. Nada disse do que lhe ia no coração aos retirantes, mas aproveitou os intervalos livres para ficar em contato telefônico com a família informando-se a respeito do estado de saúde de Benedicta. As notícias eram sempre sinistras: mesmo que se conseguisse fazer um transplante de fígado, o envenenamento de que sofria a menina, ameaçava comprometer seriamente a sua saúde para o futuro, caso sobrevivesse.
Em tais circunstâncias, Mary, a mãe da criança, telefonou à sua irmã Teresa, moradora no Wisconsin, a fim de lhe relatar o sinistro acidente. Ciente dos fatos, exclamou imediatamente Teresa: “É preciso pedir a Edith Stein que a salve!”. Pode-se notar que a menina enferma nascera aos 8 de agosto de 1984 às 19h 45 mm, hora que correspondia ao amanhecer do dia 9 de agosto em Auschwitz, quando se comemoravam 45 anos da morte de Edith Stein em câmara de gás. O Pe. McCarthy, um ano atrás, havia descoberto a heróica história da Carmelita, e se dera por profundamente impressionado pela dramática ocorrência; em conseqüência falava de Edith Stein a quantos ele podia abordar. McCarthy, aliás, nascera no Estado de Massachusetts no seio de uma família de imigrantes irlandeses católicos; aos dezoito anos de idade, deixara-se fascinar pela Liturgia oriental, e, em conseqüência, sentiu-se chamado ao sacerdócio católico de rito oriental melquita (em comunhão com a Igreja Católica Romana); foi ordenado em Damasco (Síria) no ano de 1981 após quinze anos de vida conjugal. Emmanuel Charles e sua esposa Mary adotaram a praxe de dar aos filhos nomes de personagens por eles admirados, santos ou não: assim um dos filhos se chama Thomas Merton McCarthy, em honra do monge trapista famoso por seus escritos de espiritualidade; uma das filhas se chama Kateri, em homenagem a uma jovem índia convertida ao Catolicismo perto da fronteira do Canadá; outra é chamada Tzipora, como a irmã de Elie Wiesel, vitima do Holocausto. Portanto com muita naturalidade a caçula recebeu o nome de Benedicta, muito raro nos Estados Unidos, lembrando a Carmelita martirizada em Auschwitz.
A tia de Benedicta confidenciou posteriormente: “A idéia de invocar Edith Stein me veio espontaneamente como evidente medida a ser tomada”. Mary, a mãe da criança, acolheu a sugestão como se tivesse sido inspirada diretamente pelo Espírito Santo e pôs-se a telefonar a dezenas de pessoas – parentes, amigos, participantes de retiros – pedindo orações: “Peçam a Edith Stein que rogue a Jesus em favor da cura de nossa filha!”. Assim as orações fervorosas se multiplicaram.
Na terça-feira à tarde, tendo terminado o seu retiro, o Pe. McCarthy tomou o avião de volta. Nessa mesma ocasião, em Boston, os médicos averiguaram melhora de condições da paciente tão subitânea quanto inexplicável: a moribunda saíra do coma sem qualquer seqüela negativa! Ficou ainda alguns dias em observação; era fato, porém, que seus rins e o fígado haviam retornado ao estado normal, parecendo perfeitamente sadios. Foi preciso deixar a menina voltar para casa. Com um brinquedo na mão, ela mesma apertou o botão para chamar o elevador, e deixou o Hospital.
Onze anos e meio depois, Benedicta é uma jovem robusta de quatorze anos; não necessita de medicamento algum para gozar de boa saúde. Como seus onze irmãos, ela aprendeu em casa as primeiras noções de humanidades. Gosta de ler, nadar, velejar, dançar, desenhar, tocar piano… Quando no começo de 1997 os repórteres penetraram em sua casa à procura de algum depoimento sensacional, respondeu que não guardava lembrança dos fatos, mas que ela sempre se sentira muito próxima de sua padroeira celeste. Tinha dois anos e meio quando foi curada.
2. O significado dos acontecimentos
O pai de Benedicta resolveu não dar entrevista sobre a recuperação portentosa de sua filha. Todavia sua esposa Mary conseguiu convencê-lo de que a intercessão de Edith Stein merecia tornar-se conhecida pelo grande público. Em conseqüência a imprensa foi informada do ocorrido. Um dos artigos publicados a respeito nos Estados Unidos chamou a atenção das carmelitas, que procuravam precisamente um sinal de Deus para levar adiante o processo da Irmã Teresa Benedita da Cruz.
Em 1991, o Pe. Kieran Kavanagh, monge carmelita do Estado de Massachusetts, foi encarregado pelo Cardeal Bernard Law, Arcebispo de Boston, de examinar o apregoado milagre. Por conseguinte, em 1992 o Pe. Kavanagh começou a recolher documentos médicos e testemunhos relativos à recuperação de Benedicta McCarthy. Aceitou participar do inquérito o Dr. Ronald Kleinman, judeu que dizia “não ser particularmente religioso, mas sim muito consciente de sua identidade israelita”; disse ter aceito o convite “mais por curiosidade do que por outro motivo”.
Tinha quarenta e um anos de idade quando a menina Benedicta foi entregue aos seus cuidados no Hospital de Boston; confessou que o caso em foco o deixara “muito surpreso”. Ao saber que alguns médicos no Vaticano punham em dúvida a sua interpretação da cura como milagre, em junho de 1996 foi a Roma, e lá esteve cinco horas frente a uma junta médica explicando quão grave era o estado em que se achava a criança; humanamente falando, não teria recuperação. O empenho desse profissional não cristão em favor do embasamento do milagre sugeriu ao Pe. Kavanagh o comentário: “Eis o segundo milagre!”
Observou ainda o Dr. Kleinman: “Tive a ocasião de apreciar a seriedade do trabalho dos sacerdotes carmelitas que encontrei; pude entrever um pouco do seu modo de viver”. Esta experiência suscitou-lhe o desejo de conhecer algo mais sobre Edith Stein. Confessou não compreender por que a canonização da Carmelita de origem israelita tanto perturba alguns ambientes judaicos, inquietos por julgarem que os católicos estão “recuperando” Auschwitz:
“Creio que ela foi condenada a morrer porque era judia, mas no momento de sua morte era plenamente católica. A decisão da Igreja de honrá-la como Santa, a meu ver, em nada diminui o significado do Holocausto”.
Eis o que se pode dizer a respeito do sinal outorgado pelo Senhor Deus em favor da canonização de Edith Stein. Atendendo às preces dessa mulher corajosa, a Providência Divina quis confirmar os demais indícios de santidade que depunham em favor da Santa.
APÊNDICE
Eis outro milagre decisivo para uma Canonização. Tratava-se da Serva de Deus Maria Rosa Molas y Vallvé, fundadora da Congregação das Irmãs da Consolação (1815-1876). Foi inserida no Catálogo dos Santos aos 11 de dezembro de 1988.
Em setembro de 1981 um menino de cinco anos chamado William Guillén saiu a pescar com seu pai na Lagoa de Calcara. Quando segurava pela cauda um peixe com a mão direita, este lhe arrancou o dedo mindinho da mão esquerda.
Regressando à terra, o pai conseguiu extrair do peixe o dedo, e a mãe do menino o enterrou. Levada ao Hospital de Calcara, a vítima foi atendida por um médico, que pediu que lhe levassem o dedo, sobre o qual as formigas já se haviam acumulado. O doutor sugeriu então que rezassem à bem-aventurada Maria Rosa Molas, implorando a sua intercessão em prol da recuperação da criança. E procedeu a um implante rudimentar do dedo numa intervenção cirúrgica que durou apenas vinte minutos e que cientificamente não tinha probabilidade de êxito. Eis, porém, que ao cabo de seis dias o médico verificou que o dedo havia retomado o seu lugar exato na mão do menino como se absolutamente nada tivesse acontecido. – O caso foi levado à Junta Médica da Congregação para as Causas dos Santos, que aos 23/01/1987 declarou humanamente inexplicável a cura assim obtida. Em ulterior instância, os teólogos aos 15/03/1988, reunidos com os Cardeais e Bispos da mesma Congregação, houveram por bem reconhecer nesse fato extraordinário um sinal de Deus que autenticava a santidade da bem-aventurada Maria Rosa Molas; o Santo Padre João Paulo II confirmou a sentença e resolveu celebrar a respectiva cerimônia de Canonização aos 11/12/1988.