(Revista Pergunte e Responderemos, PR 320/1989)
O presente artigo e os dois subseqüentes serão dedicados a apresentar sinteticamente o Catolicismo: 1) o Catolicismo dentro do conjunto das denominações cristãs, ligado diretamente a Jesus Cristo mediante os Apóstolos,- 2) o Catolicismo e sua profissão de fé, derivada da Palavra de Deus oral e escrita; 3) o Catolicismo e sua história, pondo-se em relevo os principais quadros da história da Igreja. – Desta maneira PR tenciona oferecer em poucas páginas um subsidio a quem procure conhecer a identidade ou as linhas essenciais do Catolicismo.
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Chamamos “cristãos” o conjunto de pessoas que no mundo acreditam em Deus Uno e Trino (Pai, Filho e Espírito Santo) e em Jesus Cristo como Deus e Homem. São cerca de 1,64 bilhão de fiéis,[1] o maior bloco religioso da humanidade.
Quem considera o panorama do Cristianismo no mundo, verifica que nele há diversas denominações: a Católica, as Protestantes, as Ortodoxas… Daí a necessidade de procurarmos compreender essa variedade, que está ligada a fatos históricos.
1. Igreja Católica
Jesus Cristo fundou a sua Igreja, e confiou-a a Pedro e seus sucessores, como narram os Evangelhos:
Mt 16,17-19: “Jesus disse a Pedro: Bem-aventurado és tu, Simão, filho de João, porque não foi carne ou sangue que te revelou isso, e sim o meu Pai, que está nos céus.
Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno nunca prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus e o que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra, será desligado nos céus”.
Lc 22,31s: “Disse Jesus a Pedro: Simão, Simão, eis que Satanás pediu insistentemente para vos peneirar como trigo; eu, porém, rezei por ti a fim de que a tua fé não desfaleça. E tu, voltando-te, confirma teus irmãos”.
Jo 21,15-17: “Disse Jesus a Pedro: Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes? Ele lhe respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo Jesus lhe disse: Apascenta os meus cordeiros : Uma segunda vez lhe disse: ‘Simão, filho de João, tu me amas? – Sim, Senhor, disse ele, tu sabes que te amo. Disse-lhe Jesus: Apascenta as minhas ovelhas : Pela terceira vez disse-lhe: Simão, filho de João, tu me amas? Pedro respondeu…: Tu sabes tudo; tu sabes que te amo. Jesus lhe disse: Apascenta as minhas ovelhas”.
A Igreja, que deve durar até o fim dos tempos, precisará sempre do fundamento visível instituído por Cristo; este fundamento são os Papas, os sucessores de São Pedro e Bispos de Roma (pois Pedro morreu em Roma como Bispo da comunidade local).
A Igreja fundada por Jesus se chama:
a) Católica, porque é universal ou destinada a todos os homens, como já anunciavam os Profetas (Is 2,2-5; 56, 6-8) e São Paulo confirmou (CI 3,11; GI 3,27s; 1Cor 12,13). A palavra “católica” vem do grego kath’holon, que significa “por toda parte” (universal).
b) Apostólica. A Igreja de Cristo é apostólica não só porque exerce o apostolado ou a missão no mundo, mas também porque a mensagem de Cristo passa necessariamente pelos Apóstolos; são estes que representam as doze tribos de Israel (cf. Mt 19,28) e se tornaram pilastras da Igreja (cf. Ap 21,14).
c) Romana, porque o Chefe visível da Igreja de Cristo é o Bispo de Roma (= o Papa). O título romana não significa nacionalismo ou particularismo, pois a Igreja não tem nacionalidade, mas precisa de uma sede central localizada em algum ponto da terra. Assim também Jesus era o Salvador de todos, mas tomou o título de Nazareno (= Jesus de Nazaré), porque ele precisava de ter uma residência ou uma localização na terra.
A Igreja fundada por Cristo e entregue ao pastoreio dos Apóstolos e seus sucessores desenvolveu-se através dos séculos. Em nossos dias, conta cerca de 907 milhões de fiéis, espalhados por todo o mundo.
No decorrer dos tempos, separaram-se alguns blocos do tronco central da Igreja.
Vejamos quais são.
2. Monofisitas e Nestorianos
No século V os teólogos procuraram exprimir em fórmulas precisas o mistério da Encarnação do Filho de Deus.
Houve então uma corrente dita Nestoriana (porque encabeçada por Nestório, patriarca de Constantinopla desde 428); afirmava que em Jesus havia dois Eu ou duas pessoas: uma divina, com a sua natureza divina, e outra, humana, com a sua natureza humana. Esta doutrina foi rejeitada pelo Concílio de Éfeso em 431, pois não ressalvava devidamente a noção de Encarnação. Todavia muitos seguidores de Nestório não aceitaram a decisão do Concílio e separaram-se da Igreja, formando o bloco nestoriano. Espalharam-se até a China e a Índia, mas em nossos dias estão reduzidos a pequeno número, pois nos últimos quatro séculos a maioria voltou à comunhão católica.
Pouco depois, uma corrente de teólogos propôs doutrina contrária à de Nestório: em Jesus haveria um só Eu e uma só natureza (a divina), pois a humanidade teria sido absorvida pela Divindade. Eram os chamados “Monofisitas”, chefiados por Dióscoro de Alexandria. A sua tese foi rejeitada pelo Concílio de Calcedônia em 451, que afirmou haver em Jesus uma só Pessoa (Divina) ou um só Eu e duas naturezas (a divina e a humana). Muitos monofisitas não aceitaram a definição de Calcedônia e separaram-se da Igreja Católica; – são hoje cerca de cinco milhões no Egito, na Etiópia, na Síria e na Armênia; já não professam a doutrina de Dióscoro, de modo que a sua volta à comunhão católica está facilitada.
3. Os Ortodoxos orientais
No decorrer dos séculos os cristãos do Oriente e os do Ocidente foram sendo caracterizados por culturas diferentes: a grega no Oriente, cuja capital era Bizâncio ou Constantinopla (= Istambul na Turquia de hoje); e a latina no Ocidente, cuja capital era Roma. Falavam uns o grego, outros o latim; os costumes litúrgicos e a disciplina iam-se diferenciando aos poucos. Ora isto causou mal-entendidos e rivalidades entre cristãos bizantinos e cristãos latinos. Finalmente essas divergências deram ocasião a um cisma ou uma ruptura em 1054, por obra do Patriarca Miguel Cerulário de Constantinopla. Por motivos teológicos secundários, os cristãos de Bizâncio separaram-se de Roma, e, com eles, outros orientais (rumenos, búlgaros, russos, etc.). Constituem hoje um bloco de cerca de 173 milhões de fiéis. Chamam-se “ortodoxos”, porque na época das controvérsias teológicas sobre a SS. Trindade e Jesus Cristo (séc. IV-VIII) sempre mantiveram a reta doutrina (ortodoxia), não cedendo ao arianismo, ao nestorianismo ou ao monofisismo…
Houve tentativas de reunião dos ortodoxos com os católicos através dos séculos, principalmente por ocasião dos Concílios de Lião 11 (1274) e Florença (1438-45).
Todavia os resultados positivos foram de curta duração. Em nossos dias, há grande aproximação entre Roma e Constantinopla, pois na verdade são poucas as diferenças doutrinárias que separam do Catolicismo os ortodoxos orientais.
4. Protestantismo
No século XVI Martinho Lutero, a partir de 1517, resolveu reformar a Igreja, que passava por uma fase difícil: a teologia não alimentava a piedade dos fiéis, que era exuberante, mas mal orientada; além disto, o Renascimento ou o interesse pelas artes e a cultura antigas, desentulhadas nos arquivos e bibliotecas, fazia que o clero se deixasse penetrar por espírito mundano.
Lutero, levando em conta esta situação e atendendo a um problema pessoal, proclamou que a fé sem as obras boas nos faz amigos de Deus; tencionava assim interpretar São Paulo, rejeitando a epístola de S. Tiago… Além disto, recusou a Tradição oral, ficando só com a Bíblia. Lutero apregoava o “livre exame” da Bíblia, isto é, queria que cada crente lesse a Bíblia sem levar em conta alguma orientação ou o magistério da Igreja; cada qual poderia interpretar a Bíblia segundo o que a sua consciência lhe dissesse. A ruptura com a Igreja deu-se definitivamente em 1521 na Alemanha.
O exemplo de Lutero foi seguido por João Calvino, de Genebra (Suíça), que proclamou doutrinas semelhantes às de Lutero.
As proposições desses reformadores se espalharam rapidamente pelo centro e o Norte da Europa. Dentro de cada denominação foram surgindo novas e novas “reformas”. Isto era lógico, pois, o que Lutero tinha feito com a Igreja Católica, cada crente poderia fazê-lo em relação à sua comunidade; o princípio do “livre exame” colocava (e coloca) o crente acima de qualquer magistério, de modo que, se alguém discorda do que a sua comunidade ensina, pode separar-se dela e fundar outra “igreja”.
O bloco protestante hoje compreende 322 milhões de crentes aproximadamente.
5. Anglicanismo
Na Inglaterra reinou Henrique VIII de 1509 a 1547. O rei quis separar-se de sua esposa Catarina de Aragão para unir-se à cortesã Ana de Boleyn. Todavia o Papa não lhe concedeu o divórcio. Em conseqüência, o monarca separou de Roma os cristãos da Inglaterra; foi proclamado pelo Parlamento Chefe Supremo da Igreja Anglicana em 1534. Assim teve origem o que hoje se chama “a Comunhão Anglicana”, espalhada pelo mundo, com cerca de 51,6 milhões de crentes. A princípio o Anglicanismo visava apenas à independência frente a Roma; mas aos poucos houve infiltração doutrinária dos reformadores do continente na Inglaterra. Com efeito; os sucessores de Henrique VIII chamaram teólogos calvinistas para reestruturar a Igreja na Inglaterra. Em conseqüência, originou-se entre os anglicanos uma mentalidade protestante: muitos cristãos julgavam que a ruptura com Roma não fora bastante profunda, pois a Igreja oficial anglicana conservava diversos elementos do Catolicismo. Aos poucos fez-se a primeira divisão entre os anglicanos: os mais fiéis à Tradição constituíram a High Church (a Alta Igreja), regida pelo Parlamento e a Coroa; e os dissidentes, a Low Church (a Baixa Igreja), de índole mais radical protestante, que não obedecia à reforma oficial. Os crentes rebeldes, em grande parte, emigraram para os Estados Unidos (a Nova Inglaterra) no século XVII, e lá gozaram de plena liberdade para interpretar a Bíblia segundo o princípio do livre exame. Isto deu origem às numerosas divisões e subdivisões do protestantismo norte-americano, que muito afetam o Brasil.
6. Os “Velhos-Católicos”
Em 1870 o Concílio do Vaticano I proclamou a infalibilidade do Papa quando define proposições de fé ou de Moral. Esta definição do Concílio, que não era mais do que a expressão de quanto já se acreditava e vivia na Igreja, não foi aceita pelo sacerdote Inácio Disllinger de Munique (Alemanha). Isto o levou a sair da Igreja Católica juntamente com alguns adeptos para fundar o ramo dos “Velhos-Católicos” (1872). Em 1889, estes se uniram aos Jansenistas, pequeno grupo de Cristãos que se haviam separado da Igreja em 1723 e viviam na Holanda; formaram assim a “União de Utrecht”, que conta aproximadamente 100.000 fiéis.
7. Conclusão: A Igreja de Cristo
A quem pergunte agora qual é o conceito de Igreja de Cristo diante deste conjunto de denominações cristãs, respondemos: a Igreja de Cristo compreende. todas essas denominações, porque cada uma delas possui elementos da Igreja (a Bíblia, a Tradição, alguns Sacramentos, a prática da oração, o martírio…). Mas a Igreja de Cristo só subsiste plenamente na Igreja Católica Apostólica Romana, governada pelo Papa e os Bispos em comunhão com ele, pois somente nesta se encontram todos os elementos que, por instituição divina, devem integrar a Igreja; ver Constituição Lumen Gentium n° 8; Decreto Unitatis Redintegratio n° 4, do Concílio do Vaticano II. As denominações não católicas estão em comunhão imperfeita ou incompleta com a Igreja de Cristo. Todos os cristãos devem esforçar-se para que tal comunhão se torne completa mediante a oração e a fidelidade de cada um à sua vocação; o Espírito Santo fará que descubram o caminho de volta à comunhão integral.
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NOTA:
[1] Os números aqui publicados são fornecidos pelo Conselho Mundial das Igrejas e referem-se ao ano de 1987.