Sacerdócio: mais uma vez…(celibato sacerdotal)

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 131/1970)

«Celibato do clero… Que mais se poderia dizer?»

Resposta: A respeito do celibato do clero parece que já se disse dentro da Igreja Católica tudo o que poderia ser pon­derado sobre o assunto.

De vez em quando, ouve-se alguma voz que, fora da Igreja Católica, fala sobre a questão. Há meses, por exemplo, foi dado a lume o depoimento de um budista da Birmânia (Karen) sobre o delicado tema. A revista «Le Christ au monde» (1970, vol. XV, n° 4, pp. 331s) publicou-o, tendo-o recebido do Padre P. Mora, missionário da Índia. A redação da revista, ao apre­sentar o documento, observa que ele bem corresponde ao que pensam certos ambientes budistas.

Transcreveremos abaixo o texto desse depoimento, ao qual serão acrescentadas algumas reflexões sugeridas pela leitura do documento (o qual, do ponto de vista cristão, é ambíguo).

«No Ocidente têm-se levantado ruidosas reivindicações a pedir para os sacerdotes católicos a faculdade de se casarem. Os que movem tal reivindicação, fariam algo de acertado se parassem por um momento e lançassem um olhar para o vasto mundo budista do Extremo-Oriente, a fim de ver se, entre os sacerdotes budistas, se encontre quem reivindique a licença de se casar. – Não; não encontrarão nem um sacerdote nem um leigo budista que adote essa atitude. Os sacerdotes budis­tas vivem em paz consigo mesmos e estão muito satisfeitos com a sua disciplina de celibato. Tonsuram a cabeça e renunciam completamente ao mundo. Trazem suas vestes amarelas e con­sagram-se a uma vida de oração, meditação e mortificação da carne, segundo o exemplo de Buda. Assim procedendo, sabem que são pessoas consagradas, obrigadas à santidade e que, por este motivo, não se devem casar. O celibato é consi­derado como autêntica marca de santidade. Por isto um homem casado não se pode tornar sacerdote budista. O budismo não admite sacerdote casado. Quando um sacerdote budista quer casar-se, é laicizado e volta ao mundo. Uma vez laicizado, ele não pode retornar ao seu estado anterior. E, enquanto per­manece sacerdote, nenhum sacerdote budista pode casar-se.

 

No Cristianismo, a Igreja Católica é a única a suportar, neste terreno, o confronto com o budismo… É em virtude da disciplina do celibato que a Igreja Católica é tida em alta estima pelos budistas da Birmânia e seus sacerdotes gozam do respeito destes.

Há cinqüenta anos, um professor da Escola Normal bu­dista de Toungoo dizia aos seus alunos católicos: ‘Se vocês colocassem num crivo todas as religiões do mundo e sacu­dissem o crivo, todas seriam eliminadas, com exceção da reli­gião budista e da religião católica’. Defendendo o celibato sacerdotal, a Igreja Católica defende, ao mesmo tempo, a honra do Cristianismo. Se Ela tivesse que renunciar alguma vez a essa disciplina, o Cristianismo em seu conjunto baixaria con­sideravelmente na opinião do mundo pagão; ele apareceria menos puro do que o budismo, seus padres casados menos dignos de respeito do que os sacerdotes budistas não casados, e o Cristo mesmo lhes pareceria inferior a Buda.

O celibato dos sacerdotes budistas lança um sério desafio ao Cristianismo. A partir do mundo cristão, somente a Igreja Católica pode sustentar esse desafio. Será que os cristãos terão para com o celibato sacerdotal uma estima inferior à dos budistas?

Há quem sustente que um padre católico casado estaria mais em condições de salvar as almas, pelo fato mesmo de que se mesclaria livremente aos outros homens e viveria como um deles. Nisto há um sofisma. Uma água menos clara não pode lavar melhor a roupa do que uma água clara e pura; uma lâmpada menos luminosa não ilumina melhor os objetos sombrios do que uma outra muito brilhante. A vida dos santos mostra que o contrário é que é verdade. Àqueles que se fazem os advogados de um clero católico casado, eu diria como Jesus a Pedro: ‘Vai-te de mim, Satanás; tu és para mim um escân­dalo, pois não tens os pensamentos de Deus, e, sim, os dos homens’ (Mt 16,23)».

A este testemunho podem-se fazer três observações:

1) É inspirado por visão dualista, que menospreza o corpo e, consequentemente, o matrimônio. O budista julga que a perfeição do homem está em insensibilizar-se e, por último, desencarnar-se; por isto, não pode conceber plena estima pelo casamento. O cristão não pode dizer que o matrimônio, fiel­mente vivido, tenha algo de impuro; ao contrário, ele sabe que o casamento é via que leva não à mediocridade, mas à santidade­, todos aqueles a quem Deus chama. A fé cristã ensina que não há vocação para a imperfeição, mas que todo cha­mado de Deus tende à plenitude da vida. Todavia fica de pé a afirmação de São Paulo segundo a qual a virgindade ou a vida una, considerada em si, constitui um estado de vida ainda mais nobre do que o matrimônio (cf. 1 Cor 7).

2) Para o budismo, não há sacerdotes destinados a ofe­recer sacrifícios rituais. O sacerdócio budista (se é que assim pode ser chamado) consta apenas de aconselhamento espiritual; é exercido pelos monges. Por isto admitir sacerdotes casados, para o budismo, seria o mesmo que admitir monges casados, ou seja, destruir o monaquismo. – Ora na Igreja Católica pode­-se conceber um clero casado sem que, por isto, deixe de haver a vida dos monges e Religiosos (frades, freiras, clérigos regu­lares…) consagrada a Deus no celibato e na virgindade. O ce­libato e a virgindade foram, desde os primórdios da Igreja, cul­tivados por ascetas e virgens independentemente do ideal sacerdotal. Na verdade, quem compreende o Evangelho, com­preende o valor da vida una ou indivisa (cf. 1 Cor 7,25-35) e por ela é atraído. Virgindade e celibato são frutos normais e espontâneos da mensagem cristã; decorrem logicamente da consciência de que já chegaram os bens definitivos ou os bens do Reino de Deus. Por isto, pode-se crer que jamais se extin­guirão na Igreja Católica o celibato e a virgindade consagra­dos a Deus, mesmo que os presbíteros venham a ser dispensa­dos do celibato.

3) Como quer que seja, o testemunho de nosso irmão budista é digno de consideração. Ajuda-nos a ver como a Igreja Católica pode ser sinal mais e mais lúcido para o mundo não­-católico: o celibato abraçado não por horror à matéria, mas por amor a Cristo e aos homens (em vista de uma doação maior a todos) será sempre um autêntico testemunho do Reino de Deus. Tudo que contribua a empalidecer ou rarefazer este testemunho, poderá resultar em detrimento da Igreja, da sua missão no mundo, e em detrimento do próprio mundo. Este, com razão e direito, espera encontrar entre os fiéis católicos o sinal do amor total e indiviso. Tal sinal, autêntica e entusiasticamente vivido, faz bem: ele edifica, desperta, estimula…; o mundo precisa de vê-lo e revê-lo para nele meditar e dele se beneficiar. Estejam conscientes disto os Religiosos e as Reli­giosas da S. Igreja e vivam com alegria a sua grande vocação!