Sacerdócio: política e sacerdócio

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 127/1970)

«Deve o padre ser político ou entrar na militancia política?»

Em síntese: Apontam-se três principais razões para que o padre milite na política: solidariedade, promoção pessoal e social, maior efi­cácia do apostolado.

A estas razões podem-se fazer as seguintes observações:

Não há incompatibilidade radical entre sacerdócio ministerial e militância política. A política não é suja ou desonesta por si, embora facilmente excite as paixões; quem a pratica, tem que conhecer as regras e a arte respectivas, a fim de evitar os escolhos morais da política.

Registram-se, porém, incompatibilidades relativas, visto que o pa­dre deve estar a serviço da unidade da comunidade cristã (um presbí­tero comprometido com algum partido político pode provocar descon­fiança e divisões entre os fiéis). Deve também gozar de liberdade psicológica para exercer o seu ministério (a pregação de um padre político pode suscitar suspeitas e constrangimento entre os seus ou­vintes). Além do que, o presbítero, como presbítero, carece da neces­sária formação prévia para poder engajar-se na política.

Por último, assinalam-se motivos positivos que sugerem incompa­tibilidade relativa entre presbiterato e ação política:

1) O padre há de ser sinal de paz e não-violência em meio à luta pela justiça; 2) … há de ser sinal de que toda a atividade hu­mana tem suas raízes e sua consumação em Deus; 3) … há de ser sinal da distinção fundamental existente entre cidade terrestre e Reino de Deus.

A renúncia do padre à militância política pode ser comparada à sua renúncia ao matrimônio; nem uma nem outra é absolutamente necessária para que o presbítero seja presbítero; todavia, assim como a sabedoria dos séculos ensina a profunda conveniência do celibato sacerdotal, ela parece ensinar a grande conveniência de que o padre não pratique a militância política (o que não quer dizer que não exerça o direito de voto e outros afins a este).

—X—

Resposta: As transformações da sociedade e os movimen­tos políticos que elas suscitam, têm provocado a questão da conveniência da participação dos sacerdotes na militância política.

É claro que o padre, como bom cidadão da sua pátria, tem o incontestável direito, se não mesmo o dever, de parti­cipar na vida da nação, acompanhando os respectivos proble­mas políticos, exercendo o voto, informando-se de tudo que possa interessar ao ministério sacerdotal … O que vem ao caso na presente questão, é o seguinte: seria desejável, ou mesmo necessário, que o presbítero milite filiado a determinada cor­rente (partido) de ação política?

Examinaremos abaixo as principais razões evocadas em favor tanto da resposta positiva como da negativa.

1. Em favor…

Três são os mais poderosos argumentos aduzidos em prol da militância política do padre.

1) Solidariedade

Compreende-se que o padre se abstenha de ação política quando a vida do país transcorre normalmente. Desde, porém, que a nação passe por uma fase de agitação e crise, pergunta­-se se o sacerdote tem o direito de se isentar dos movimentos políticos, máxime quando se prevê que marcarão decisivamente o futuro do país. Pode o padre deixar que outros assumam o risco de campanhas novas (o que não quer dizer: marxistas) e, depois, usufrua dos benefícios que tiverem conquistado?

2) Promoção pessoal

O padre (dizem) está deslocado ou isolado na sociedade; muitos não aceitam nem reconhecem a sua missão. – Ora, se o padre se insere na ação política, ele conquista imediatamente o seu estatuto social, incorporando-se de novo na sociedade.

3) Eficácia apostólica

A participação do sacerdote em movimentos políticos pode contribuir para manifestar o valor do Evangelho frente aos problemas do homem de hoje. A ausência do padre não poderia ser censurada como demonstração de que o Evangelho alheia ou é incapaz de acompanhar as aspirações do cidadão contem­porâneo? Em momentos de grave crise política, a formação espiritual e doutrinária dos leigos será realmente possível sem que o padre participe da própria militância dos leigos?

As razões assim expostas merecem atenção. Elas não são unanimemente aceitas; pelo que, convém considerar os argu­mentos em contrário.

2. Oposição radical?

Rejeitando os argumentos atrás, há quem queira pro­pugnar radical oposição entre o sacerdócio e a política. Na verdade, porém, oposição radical e absoluta não existe, como se poderá depreender da exposição seguinte.

1) Incompatibilidade absoluta por parte do ministério sacerdotal?

O presbítero é constituído tal para prosseguir a missão dos Bispos e Apóstolos, a saber: anunciar o Evangelho, santi­ficar o povo de Deus e governar a comunidade cristã. O Con­cílio do Vaticano II lembrou-o claramente:

«A função dos presbíteros, enquanto unida à ordem dos Bispos, participa da autoridade pela qual Cristo mesmo edifica, santifica e governa seu Corpo… Participando, do seu modo, da função dos Após­tolos, os presbíteros recebem de Deus a graça que os torna ministros do Cristo Jesus» (Decreto «Presbyterorum Ordinis» n.º 2).

A esse ministério os sacerdotes consagram toda a sua vida, toda a sua razão de ser. As funções presbiterais exigem, por isto, que o sacerdote assuma um estilo de vida correspondente, capaz de manifestar e tornar eficaz o seu sacerdócio.

Ora, já que ninguém pode desenvolver todas as atividades ao mesmo tempo, o sacerdote, consagrado ao ministério do Senhor, vê-se obrigado a aceitar certas renúncias: ele deverá abster-se de determinados compromissos que não são vedados a outras vocações; deverá… a fim de poder preencher ade­quadamente as suas tarefas sacerdotais. Conscientes disto, não poucos presbíteros, desde os primórdios da Igreja, abraçaram espontaneamente o celibato; este proporciona maior liberdade de ação apostólica. Compreende-se que outras renúncias pos­sam ser recomendadas ao padre; entre essas outras está, sem dúvida, a renúncia à militância política.

Todavia, assim como o celibato não é intrinsecamente exi­gido pelo sacerdócio (pode-se conceber um clero casado, como, por exemplo, o oriental), assim também, a rigor, não se pode dizer que a abstenção de atividades políticas seja exigida pela índole mesma do presbiterato; o sacerdócio ministerial não perde algum de seus constitutivos essenciais, quando vem a ser unido à ação política.

Pode-se mesmo admitir o caso – certamente raro, e cada vez mais raro – de que um sacerdote venha a ser praticamente indispensável em determinada tarefa política que inte­resse ao bem comum (o caso do Mons. Arruda Câmara, deputado que defendeu valiosamente a indissolubilidade do ma­trimônio, não terá sido um desses?). Nessa hipótese, o sacer­dote não desdiz a sua vocação presbiteral entrando na militância política.

É o Espírito Santo que, agindo na Igreja inteira e no íntimo de cada presbítero em particular, indica ao sacerdote quais as renúncias precisas que ele deve abraçar para ser autêntico sacerdote na sua época e no seu país. A legislação da Igreja, levando sabiamente em conta os interesses do Reino de Deus, pode explicitar uma ou outra dessas renúncias e impô-la a todos os sacerdotes, como se dá no caso do celibato.

2) Incompatibilidade absoluta por parte da própria ação política?

Poderia alguém ser tentado a dizer que o presbítero não deve, em absoluto, engajar-se na política, por ser esta algo de sujo e intrinsecamente corrupto.

Tal alegação não se sustenta. O Papa Pio XI dizia, certa vez, que a política é a mais elevada das formas de caridade praticadas na vida civil, pois a política visa não apenas aos interesses de um grupo, mas ao bem comum de todos. Assim como o celibato, para se justificar, não precisa de depreciar o casamento, assim também a abstenção de militância política não precisa de se estribar em uma desestima dos valores de uma sadia ação política.

Não há dúvida, a política acarreta certos perigos morais: facilmente desencadeia paixões, ódio, violência injustificada, pactos e compromissos pouco nobres. Todavia não somente para o padre, mas também para os leigos ela suscita tais ris­cos – o que não quer dizer que os leigos católicos se devam ausentar da política, deixando este campo aberto exclusiva­mente à ação de não-católicos. Furtar-se à política, sob a ale­gação de que é preciso manter-se puro, não pode ser atitude preconcebida ou tomada uma vez por todas. O que, em tal caso, importa é que o militante político forme retamente a sua consciência e adquira a competência devida, de modo a cum­prir suas obrigações sem incorrer nos perigos anexos.

Na base, pois, de tais considerações, deve-se dizer que não há incompatibilidade absoluta ou intrínseca entre o presbite­rato e a ação política.

Esta afirmação, porém, há de ser completada pela se­guinte: se não há incompatibilidade radical, pode-se dizer que há incompatibilidade relativa entre o sacerdócio e a militância política. É o que procuraremos aprofundar no parágrafo abaixo.

3. Incompatibilidade relativa

Voltemos, antes do mais, a nossa atenção para uma

1) Observação geral

Abstração feita do sacerdócio ministerial, podem-se con­ceber certos estados de vida em que o cidadão, embora con­serve a sua solidariedade com todos os compatriotas, se veja obrigado a renunciar, ao menos em termos provisórios, à ação política… Em outros termos: certos serviços sociais não políticos só podem ser exercidos devidamente, caso os seus titulares se abstenham de política. Eis alguns exemplos:

a vida militar autêntico serviço prestado à socie­dade – é geralmente considerada como relativamente incom­patível com a vida política. Somente se forem apolíticos é que os chefes militares poderão ser plenamente livres para se en­tregar ao bem da nação, … manter o exército coeso, … conservar as tropas em disciplina por ocasião das mudanças de governo, … afastar a tentação ou a suspeita de utilizar as forças armadas para fins políticos.

Isto, porém, não exclui que os militares, como bons cida­dãos, exerçam o direito de voto, tenham as suas opiniões polí­ticas pessoais e adquiram conveniente cultura política.

os dirigentes de sindicatos, em geral, devem ser apolí­ticos, a fim de não arrastar os membros do respectivo sindicato em atitudes contrárias à sua consciência pessoal;

outros profissionais assumem tarefas de tanta respon­sabilidade que, se se envolverem em política, não lhes poderão satisfazer adequadamente e comprometerão o bem público ou, ao menos, arruinarão a sua carreira profissional. É o que se pode dar com médicos, cientistas, professores… Embora todos os cidadãos tenham obrigações para com todos, cada um tem o dever prioritário de se ocupar com aqueles dos quais é ime­diatamente responsável (clientes, enfermos, alunos…).

Certas mães de família podem ser equiparadas a tais pro­fissionais. Não poucas dentre elas comprometeriam gravemente a educação e o futuro de seus filhos se se fossem entregar à militância política.

Passemos agora à consideração direta do que concerne aos sacerdotes.

2) O presbítero

Também aos presbíteros algumas razões fortes sugerem isenção de política a fim de poderem cumprir devidamente a sua missão. Tais razões são:

a) O serviço da unidade da comunidade cristã

Dentro de uma comunidade cristã (paróquia, comunidade de base, equipe de casais, grupo de jovens…), há, sem dúvida, uma só fé, mas pode haver diferentes opções políticas. A li­berdade de opinião política é reconhecida a todo cristão dentro do leque das posições conciliáveis com o Evangelho. Eis as palavras da Constituição «Gaudium et Spes» do Concílio do Vaticano II:

«Muitas vezes a visão cristã das coisas inclinará tais ou tais fiéis a adotar determinada solução (política), de acordo com as circuns­tâncias. Outros fiéis, porém, com igual sinceridade poderão julgar de outra maneira, como acontece muitas vezes e legitimamente… Em tais casos, a ninguém é lícito reivindicar exclusivamente para a sua sentença a autoridade da Igreja. Mas procurem em diálogo sincero esclarecer-se reciprocamente, conservando a caridade mútua, e preo­cupando-se, acima de tudo, com o bem comum» (n° 43 § 3).

Ora os sacerdotes, chamados a exercer a sua missão em nome de Cristo, têm especial tarefa a desempenhar a serviço da unidade da comunidade cristã.

Este serviço lhes será dificultado, caso procedam dentro da linha de determinada opção política; a sua ação em favor de tal ou tal partido poderá (com ou sem razão plena) torná­-los suspeitos ou alheios a muitos membros da comunidade; o padre poderá (talvez injustificadamente) parecer-lhes agente de facção mais do que ministro de Deus.

É digna de nota, por exemplo, a maneira como o Apóstolo São Paulo se comportou em Corinto diante da comunidade dividida em partidos («Eu sou de Paulo», «Eu sou de Apolo», «Eu sou de Pedro»… 1 Cor 1,12). A atitude do Apóstolo consistiu então em mostrar que os pregadores do Evangelho são meros servidores, e servidores que de­vem levar os fiéis a uma só meta: Deus.

«Eu plantei, Apolo regou, mas foi Deus quem deu o crescimento. Assim nem o que planta, nem o que rega, é alguma coisa, mas somente Deus, que dá o crescimento» (1 Cor 3, 6s).

Donde se vê que o padre não se deve arriscar, por sua militância política, a ser tido como líder pelos fiéis que com­partilhem a mesma opção, enquanto outros o rejeitarão como adversário político.

Evidentemente, pode haver casos em que toda a comuni­dade comungue com os mesmos sentimentos de justa alegria ou tristeza diante de um acontecimento da vida nacional. Nes­tas circunstâncias, não há dificuldade em que o sacerdote se manifeste em uníssono com seus fiéis ou mesmo em nome de seus fiéis.

b) A liberdade para o ministério

«Liberdade» aqui não significa «disponibilidade em maté­ria de tempo ou horário», mas, sim, «desentrave ou desemba­raço psicológico».

Ao sacerdote cabe a missão de ensinar e orientar todos os fiéis. Ora esta missão requer um clima de confiança tal que ninguém se sinta constrangido em presença do padre. Todavia um compromissamento político deste poderia criar um ambi­ente de suspeita, dando a crer (talvez sem fundamento) que o padre tenciona abusar de sua autoridade moral para suscitar adesões partidárias.

O magistério do padre já é por si bastante árduo; não convém, seja ainda tornado mais espinhoso por motivo de oposições políticas. O padre deve colocar-se em con­dições tais que possa ser o educador leal e exigente que todos esperam, sem condescendência injustificada para com amigos políticos nem agressividade para com os que pensem de outro modo.

De maneira especial, na pregação da Palavra de Deus é preciso que o padre se abstenha de partidarismo. Antes, colo­que os valores políticos no seu genuíno lugar: de um lado, mostrará que a ação política, longe de ser estranha ao Evan­gelho, recebe luzes da parte deste (o cristão é cristão em todas as suas atividades, não excluída a política); de outro lado, o sacerdote evitará reduzir a mensagem do Evangelho a uma espécie de mística ou de messianismo meramente terrestres. O padre mostrará todas as conseqüências do Evangelho na vida sócio-econômica dos indivíduos e dos povos, mas não silenciará o que há de transcendental no Livro Sagrado.

c) Falta de competência, política

Deve-se reconhecer que a grande maioria dos sacerdotes não recebeu a formação necessária para a militância política (como, aliás, bem se compreende e justifica). Ora, sem pre­paro prévio, o padre que se engaje na política, corre dois perigos:

– ou é utilizado por chefes perspicazes como instrumento de ação; então a autoridade moral dos sacerdotes é objeto de abusos e desvios;

– ou, inversamente, o padre utiliza a ação política para fins religiosos, assumindo no setor político o papel de chefe de comunidade religiosa. Então o apostolado degenera em política.

Está claro que o presbítero pode adquirir formação e competência políticas. Estas lhe serão úteis, ainda que, por motivos de outra índole, não milite; … úteis, porque possibi­litarão ao padre compreender melhor os acontecimentos e os homens. A ação política cabe propriamente (o que não quer dizer: exclusivamente) aos leigos competentes, como nota o Concílio do Vaticano II:

«As profissões e atividades seculares competem propriamente aos leigos, ainda que não de modo exclusivo. Portanto, estes… procurarão adquirir competência verdadeira naqueles setores. Reconhecendo as exigências da fé e alimentados pela força desta, não hesitem, se for necessário, em tomar novas iniciativas e pô-las em prática. A consci­ência dos leigos, previamente formada, toca inscrever a lei divina na vida da cidade terrestre. Os leigos esperam dos sacerdotes luz e força espiritual. Contudo não julguem ser os seus pastores sempre tão com­petentes que possam ter uma solução concreta e imediata para toda questão que surja, mesmo grave; nem creiam que tal é a missão dos sacerdotes. Antes, esclarecidos pela sabedoria cristã, prestando cuida­dosa atenção à doutrina do magistério, assumam os leigos a sua res­ponsabilidade» (Const. «Gaudium et Spes» n° 43 § 2).

As razões até aqui alegadas sugerem realmente uma in­compatibilidade relativa entre ministério sacerdotal e militância política.

Elas podem ser completadas. Com efeito, uma sadia re­flexão teológica a respeito do sacerdócio ministerial leva a ver que há uma conveniência positiva e muito profunda em que o padre se abstenha de engajamentos políticos. É o que o título abaixo tentará expor.

4. Falando em termos positivos…

Voltemos a nossa atenção para três aspectos muito ca­racterísticos da figura do padre.

1) O padre, sinal de paz e não-violência em meio à luta pela justiça.

A sociedade de hoje está sujeita a ser sacudida por movi­mentos de violência. Tais movimentos podem ser injustificados e meramente passionais, como também podem ser suficiente­mente motivados e justos: de um lado, todo Governo legal tem o direito de exercer a sua autoridade e de se opor àqueles que injustamente perturbem a ordem pública; de outro lado, pode haver regimes de todo ineficazes ou mesmo tirânicos que só possam ser superados mediante rebelião armada (cf. enc.

«Po­pulorum Progressio» n° 31).

Nessas condições, cabe ao padre, em virtude mesmo do seu ministério sacerdotal, ser sinal vivo do termo ao qual ten­dem todas as lutas políticas: a paz dentro da justiça. A figura e a ação do padre devem contribuir para que aqueles que mili­tam não se deixem obcecar pela paixão, nem recorram a meios injustos. O padre deve prolongar de maneira especial a pre­sença de Jesus Cristo entre os homens. Ora Cristo foi, por excelência, o Reconciliador, … o Reconciliador dos homens entre si e com Deus. Ele é o arauto da paz, como nota oportu­namente o Concílio do Vaticano II:

«A paz terrestre, que jorra do amor ao próximo, é imagem e efeito da paz de Cristo, que promana de Deus Pai. Pois o próprio Filho encarnado, Príncipe da paz, por sua cruz reconciliou todos os homens com Deus. Restabelecendo a união de todos em um só povo e um só corpo, em sua própria carne aniquilou o ódio e, depois do triunfo da ressurreição, derramou o Espírito da caridade nos corações dos ho­mens» (Const. «Gaudium et Spes» n° 78).

A atitude do padre, sinal e arauto da paz, jamais deverá implicar desinteresse em relação aos homens que estejam lu­tando; também não importa em comodismo confortável. O pa­dre deverá ser sempre um servidor, … um servidor da Boa Causa, pronto a oferecer a todos os que militam na vida civil amizade sacerdotal, energias e luzes.

2) O padre, sinal do enraizamento e da consumação da ati­vidade humana em Deus.

Como insistentemente incutiu o Concilio do Vaticano II, o homem é responsável pela construção de um mundo harmo­nioso e desenvolvido. Todavia no desempenho dessa tarefa – máxime em nossos dias – a criatura humana é facilmente tentada a esquecer sua dependência frente a Deus. A tentação é particularmente forte no setor político, onde, diante da gran­deza das tarefas, as paixões são facilmente excitadas.

Em tais condições, compete ao padre significar, por seu modo de vida, que toda a atividade humana é prevenida pela atividade de Deus e só se consuma, ultrapassando-se a si mesma para se integrar no plano de Deus. Assumindo voluntariamente certas renúncias características, como a renúncia à ação política, o padre deve lembrar que nenhuma atividade humana basta a si mesma e que, por isto, os homens hão de procurar dirigir-se para Deus, mesmo quando realizam ordem neste mundo. Compete ao padre proclamar, pelo testemunho de sua vida, que só Deus é o Absoluto, o absolutamente

Ne­cessário, de modo que, mesmo abstendo-se de certos trâmites lícitos, o homem consagrado a Deus vive uma vida plena e fecunda.

Em observação complementar, pode-se reconhecer que todo cristão deve manifestar o enraizamento e a consumação da sua vida em Deus; todo cristão deve também praticar certas renún­cias (os esposos, por exemplo, são chamados a viver a casti­dade conjugal). Todavia o que caracteriza o padre, é que o seu próprio ministério, colocado a serviço de todos, o chama a praticar formas mais radicais de renúncia.

3) O padre, sinal da distinção fundamental entre a cidade terrestre e o Reino de Deus.

O Reino de Deus não é simplesmente a prolongação da cidade terrestre. Verdade é que ele deve estimular os homens a exercer fielmente as suas atividades sociais e civis, mas a eficácia do Reino não se limita a isto; ela é aferida por outros critérios, como também é promovida por outros meios. Tenham­-se em vista as palavras da Const. «Gaulium et Spes» n° 76:

«Quando os Apóstolos, seus sucessores e cooperadores, são en­viados para anunciar aos homens Cristo, Salvador do mundo, baseiam­-se, ao exercer seu apostolado, no poder de Deus, que com freqüência dá a conhecer o poder do Evangelho na fraqueza das testemunhas. Todos aqueles que se dedicam ao ministério da Palavra de Deus, é preciso que lancem mão de caminhos e auxílios próprios do Evangelho, que diferem em muitos pontos dos da cidade terrestre».

Em outra passagem, o Concilio lembra que o Reino de Deus não se identifica com regime político algum:

«A Igreja que, em virtude da sua finalidade e competência, de modo nenhum se confunde com a comunidade política, nem está ligada a algum sistema político, é, ao mesmo tempo, sinal e salvaguarda do caráter transcendental da pessoa humana» (Const. «Gaudium et Spes» n.º 76).

O Senhor Jesus mesmo, recusando a terceira tentação de Satanás no deserto («Eu te darei todos os reinos do mun­do… »), mostrou que o Reino de Deus não se constrói sobre o poderio político (cf. Mt 4,8-10). O padre, ministro de Cristo, terá sempre esta cena do Evangelho ante os olhos. Se, de um lado, a ação política pode proporcionar maior integração do padre na sociedade civil, de outro lado é preciso que a ação do padre jamais possa insinuar que a fé é um messianismo temporal ou que a tarefa da Igreja se limita à construção da cidade terrestre. Quando uma tarefa da hierarquia civil e outra da hierarquia religiosa se concentram numa só pessoa (na do padre), uma e outra correm grave perigo de se tornar defi­cientes.

Eis as razões pelas quais, em conclusão, se deve dizer que a renúncia à militância política deve ser a característica nor­mal da vida do sacerdote ministerial, admitindo-se raras ex­ceções para casos realmente imperiosos.

O presente trabalho foi elaborado na base dos artigos de Roger Heckel S. J. intitulados «Le prêtre et la politique» e publicados em «Cahiers d’action religieuse et sociale» n° 484 (15/11/68), pp. 649-654; 485 (1/12/68), pp. 705-710; 486 (15/12/68), pp. 735-739; 488 (15/1/69), pp. 57-64; 489 (1/2/69), pp. 87-96.