Sentido da vida: o sentido da vida

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 278/1985)

Em síntese: O psicólogo judeu Viktor Frankl, pesquisando o com­portamento de jovens e adultos norte-americanos, verificou o alto teor de neurose que os afeta. Tal fato é surpreendente, se levamos em conta as teorias de Sigmund Freud e Alfred Adler, que afirmam ser a neurose conseqüência de não satisfação do apetite sexual (Freud) ou do apetite de auto-afirmação (Adler); na verdade, os adolescentes e os jovens norte-ameri­canos gozam de numerosas oportunidades de realização de um e outro apetite. – Em conseqüência, Viktor Frankl afirma que em todo ser humano existe ainda outro apetite ou desejo, que, se não é satisfeito, leva à neurose: é o desejo de sentido da vida; sim, o ser humano quer não apenas ser compreendido, mas quer também visceralmente compreender o sentido da vida. Mais: tal apetite não se contenta com a proposta de valores passa­geiros ou fugazes, como são os da moda ou mesmo os do amor meramente humano, mas só se aquieta mediante a proposta de valores estáveis; ora estes são, segundo Frankl, Deus (que não tem princípio nem fim), o espírito (que não se desintegra), a eternidade (perpetuidade ou ininterrupto hoje).

A doutrina de Frankl, que não é cristão, mas fala estritamente como psicoterapeuta, é altamente significativa para os cristãos. Estes são chama­dos a corroborar sua adesão aos valores da fé e a traduzi-los em vida coerente para atender não só aos seus anseios pessoais, mas para prestar ao mundo um serviço, … serviço que, na verdade, nenhum terapeuta, munido apenas de conhecimentos científicos, pode prestar.

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Viktor Frankl é um psicólogo e psiquiatra judeu nascido na Áustria. Foi perseguido pelo nacional-socialismo, que o encerrou no campo de concentração de Auschwitz, donde con­seguiu escapar com vida. Passou então a residir nos Esta­dos Unidos, onde leciona e pesquisa como professor univer­sitário. É professor honorário de Universidades de diver­sos países. Escreveu uma dezena de livros sobre o ser humano, entre os quais se salientam: «O homem em busca do sentido», «Psicoterapia e sentido da vida», «Psicoterapia e existencia­lismo» … Viktor Frankl foi o sucessor de Sigmund Freud na cátedra de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universi­dade de Viena e é o criador do método psicoterapêutico cha­mado «Logoterapia».

É precisamente este aspecto original de Viktor Frankl que nos interessará nas páginas seguintes.

O presente artigo se baseia estritamente na apresentação de Viktor Frankl feita pelo Pe. João Mohana em seu livro «Escolhidos de Deus», Ed. Loyola 1984, pp. 109-123. – Em próximo artigo, analisaremos diretamente tópicos do livro «Psi­coterapia e Sentido da Vida» de Viktor Frankl.

1 . A tese de Viktor Frankl

1 .1 . O desejo de sentido da vida

Viktor Frankl estudou a cultura norte-americana, carac­terizada pelo puerocentrismo ou pelos cuidados dispensados à criança.

Verificou, entre outras coisas, que, embora a juventude norte-americana tenha liberdade para praticar o sexo, o índice de neuróticos entre os cidadãos norte-americanos é muito ele­vado. Na verdade, a descontração sexual nos Estados Unidos é livremente vivenciada pelos jovens; a vontade de prazer é contentada nos rapazes e nas moças norte-americanos. Ora, segundo as concepções freudianas, a neurose é o produto da repressão do sexo; a frustração sexual é mecanismo desencadeador de doenças. Foi o que levou Viktor Frankl a perguntar como se explicava a neurose de tanta gente livre para praticar o sexo.

Mais: o mesmo pesquisador verificou que nos Estados Uni­dos o impulso de auto-afirmação ou a vontade de poder encon­tra ampla realização e satisfação; aos jovens são dadas chan­ces que a juventude de outros países ignora. Ora, segundo Alfred Adler, a neurose decorre da frustração da auto-afir­mação pessoal; é doença da personalidade cujo impulso de auto­-afirmação ou cuja vontade de poder é reprimida.

Perguntou então Frankl: como se explicam os numerosos casos de neurose existente nos Estados Unidos se lá a juven­tude goza de liberdade sexual, de garantias profissionais e

faci­lidades sociais? Em outras palavras: se o desejo de prazer e o desejo de poder encontram a sua satisfação, como entender que pululem os casos de neurose entre os jovens norte-americanos?

O pesquisador austríaco respondeu: o vazio e a angústia existenciais que afetam o homem, decorrem muitas vezes de outra frustração, não levada em conta por Freud e Adler; com efeito, dizia Frankl, em todo homem há também uma «vontade de sentido» ou o desejo de saber o significado da vida, o por que e o para que viver. Tal necessidade de sentido da vida é um impulso especificamente humano, arraigado nas camadas mais profundas do psiquismo.

Os animais irracionais existem como os homens. Mas somente os homens querem saber por que existem e para que existem; estes aspiram não apenas a ser compreendidos, mas também a compreender a vida; tal aspiração é inata, imperiosa e incoercível. Em conseqüência, todas as vezes que deixa de ser atendida, entra em frustração e causa neurose, … neurose que Viktor Frankl chama noógena (de nous, espírito), pois ela decorre, em última instância, do fato de que o homem é mais do que matéria; é dotado de uma alma espiritual, que é capaz de se elevar acima das situações momentâneas e de pro­curar os porquês ou as grandes premissas de cada realidade contingente.

É a falta de resposta para a vontade de sentido que explica muitos dos casos de suicídio em nossos dias. Em 1978 houve 14.600 suicídios de jovens entre 17 e 20 anos na França; todos deixaram sinais de que haviam perdido o sentido da existência. Não basta o amor dos pais para curar este tipo de neurose. Por isto já está superado o slogan: «Ame seu filho e você o livrará da neurose»; é preciso que os pais apresentem a seus filhos também o sentido da vida.

1.2. Valores instáveis e estáveis

Viktor Frankl, em suas pesquisas, descobriu ulteriormente que o sentido da vida só se revela quando o homem encon­tra valores estáveis. Isto bem se compreende. Valores instá­veis e passageiros não impedem a insegurança; quando se vão, esvai-se aquilo que parecia dar sentido à vida.

Muitos são os exemplos de valores efêmeros, nos quais ilu­soriamente o ser humano pode procurar a resposta para as suas aspirações congênitas:

Tais são os bens de consumo, que são sempre substituídos por outros, «mais modernos» ou «mais funcionais». Tais são também a glória, o poder, o prestígio, que não duram sempre, mas têm suas fases. Tal é outrossim o prazer sensual, pois o corpo e a sensibilidade se esmaecem e desintegram. Até mesmo o amor humano tem o caráter da finitude e da limitação.

Feita esta analise, Viktor Frankl chegou à conclusão de que três são os valores estáveis capazes de dar ao homem o sentido da vida: Deus (que não tem princípio nem fim), o espírito (que não se desintegra nem desaparece), a eternidade (que significa perpetuidade ou o não-acaso).

A saúde mental requer a descoberta desses três valores estáveis e a adesão aos mesmos. Sempre que Frankl tentou usar a psicoterapia freudiana (que supõe ser a neurose de fundo sexual meramente) ou a adleriana (que atribui a neurose à não consecução da auto-afirmação), fracassou. Dai ter criado novo método psicoterapico – a Logoterapia -, que tenta levar o paciente à descoberta dos valores estáveis, capa­zes de o saciar. Segundo Frankl, o médico que não ajuda o paciente a encontrar o sentido da vida e a descobrir os valo­res estáveis, fracassa em sua missão. – Wilfried Daim, discí­pulo de Frankl, chega a afirmar que «o psicoterapeuta que não instala no paciente o conflito de Deus (primeiro dos valores estáveis), não o liberta da neurose».

As conclusões de Frankl, que fala tão somente como psi­cólogo, e psicólogo não vinculado ao Cristianismo, são alta­mente significativas; convergem com o conteúdo da mensagem cristã. Daí a conveniência de uma reflexão sobre o assunto.

2. Refletindo…

A tese de Viktor Frankl interpela vivamente os cristãos em dois níveis:

1) A todos o psicólogo austríaco lembra que os valores apregoados pela fé são os únicos aptos a responder ao homem. Já bem dizia S. Agostinho ( 430), depois de ter percorrido algumas escolas de filosofia da sua época: «Senhor, Tu nos fizeste para Ti, e inquieto é o nosso coração enquanto não repousa em Ti» (Conf. I 1). Diante da avalanche de propostas materialistas para responder ao homem de hoje, os bens espi­rituais – tidos por muitos talvez como meramente poéticos e inconsistentes – avultam-se como os únicos valores capazes de satisfazer aos anseios mais profundos do homem. Isto se compreende bem: qualquer promessa de felicidade transitória só pode deixar decepcionado o homem, cujas aspirações se vol­tam para a felicidade sem fim; qualquer bem que passa, por mais fascinante que seja, é pequeno demais para a capacidade do ser humano.

2) De modo especial, as conclusões do psicólogo austríaco recomendam a tarefa dos sacerdotes e Religiosos que, além de consagrar toda a sua vida ao serviço dos valores definitivos, procuram transmiti-los aos seus irmãos. Viktor Frankl, em­bora não seja cristão, apela para o serviço dos ministros reli­giosos, julgando que o ministro de Deus esta particularmente credenciado para transmitir à humanidade a noção dos valores estáveis. O psicoterapeuta não pode fazer isto sozinho.

Esta verificação de V. Frankl projeta luz sobre o que se chamaria «a crise de identidade» de certos Religiosos. Na verdade, alguns destes, julgando que o mundo moderno se des­cristianizou e materializou quase por completo, poderiam ser propensos a crer que não têm mais função a desempenhar em nossos dias, pois os valores religiosos estariam em grande baixa. Enganar-se-ia quem assim pensasse, induzido talvez por opi­niões precipitadas e superficiais de falsos «profetas». – Aos Religiosos cabe hoje um papel tão urgente e necessário como nunca. Alguns, por sua palavra e sua ação, tentam despertar em seus irmãos a noção dos valores estáveis para os quais o homem foi feito; são os que pregam e ensinam as verdades da fé em sua pureza não secularizada ou com toda a pujança do transcendental que as impregna. Outros procuram viver no silêncio contemplativo e na clausura esses valores estáveis, demonstrando praticamente aos seus irmãos que tais valores podem preencher a vida de uma criatura e comunicar a esta a paz, a felicidade e a liberdade que o mundo não é capaz de dar (cf. Jo 14,27) ; pelo fato mesmo de viverem fielmente a sua vocação contemplativa, são sinal e testemunho para os seus semelhantes, … sinal que indica o sentido da vida, … sinal que fala até mesmo aos casais, ajudando-os a viver mais cristãmente a sua vida conjugal (a qual é um sacramento permanente).

Na época materialista em que vivemos, presenciando tan­tos casos de neurose existencial, a doutrina de Viktor Frankl é certamente luz e solução para muitos dos que se debatem na angústia e no desespero.