Controle da natalidade: métodos naturais e paternidade responsável

(Revista Pergunte e Responderemos, 422 1997)

MÉTODOS NATURAIS E
PATERNIDADE RESPONSÁVEL

Em síntese: O Dr. João Evangelista dos Santos Alves mostra que os métodos naturais de contenção da natalidade são os únicos que indis­cutivelmente não prejudicam a saúde da mulher; além do que proporcio­nam ao casal uma cooperação que os métodos artificiais dispensam, ge­ralmente com detrimento para a mulher que recorre a meios artificiais.

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Continuamos a publicar a série de artigos do Dr. João Evangelista dos Santos Alves, ginecologista e mastologista (CRM 52 01135-7), a res­peito da reprodução humana. Após ter abordado os meios artificiais de contenção da natalidade, inclusive o aborto, o autor considera agora os métodos naturais.

1. Os métodos naturais: como funcionam

É óbvio que a fertilidade humana não constitui doença a ser tratada. Pelo contrário, é sinal de saúde e por isso mesmo convém ser cuidadosa­mente preservada. Não se justifica, ética e cientificamente, qualquer tipo de procedimento clínico ou cirúrgico que direta e intencionalmente prejudi­que a fecundidade humana. Não significa isso que uma paciente portado­ra de doença no útero, nas trompas ou nos ovários não possa ser

devida­mente tratada, se a melhor conduta consistir na retirada desses órgãos, o que resultaria em esterilidade definitiva. O mesmo ocorreria em relação ao homem e a seus órgãos reprodutores. Não há dúvida de que pode e deve receber o tratamento adequado, do mesmo modo que pode, com fim terapêutico, submeter-se a uma gastrectomia (retirada cirúrgica do estô­mago) ou a uma amputação de perna, etc. No caso da extirpação dos órgãos reprodutores doentes a esterilidade seria uma conseqüência inevi­tável e não o propósito do procedimento terapêutico. Da mesma forma é lícita a prescrição de pílulas hormonais ou outros medicamentos, para o tratamento adequado de alguma doença, ainda que cause, como conse­qüência inevitável, a esterilidade. Aplica-se, nesses casos, o princípio do duplo efeito, que esclarece e justifica a atitude ética, sempre que se prati­ca um ato bom ou indiferente (no caso, a retirada de um órgão doente ou a prescrição de um remédio) para se alcançar um fim bom (a cura do portador da doença), mas que provoca, paralelamente, uma conseqüência má, porém inevitável (a esterilidade)

A própria expressão paternidade responsável exclui, por ser inco­erência, a utilização de métodos contraceptivos, posto que estes, por si, negam a mesma paternidade.

É bom, porém, que a fertilidade feminina – com seus longos perío­dos inférteis – seja bem conhecida pelos casais, para que estes, no exer­cício da paternidade responsável, a possam controlar fisiologicamente, optando pela abstenção sexual no período fértil, utilizando apenas o pe­ríodo infértil para a expressão física do amor conjugal, desde que, por moti­vo justo e não egoísta, se vejam obrigados a espaçar a geração de filhos.

A mulher normal apresenta um ciclo menstrual[1] com variação perió­dica dos níveis hormonais no sangue, o que influencia todo o organismo. Mais ou menos no meio do ciclo menstrual, ou melhor, entre 12 e 16 dias antes do inicio da menstruação seguinte, o ovário libera um óvulo, o qual só se mantém fecundável durante o tempo máximo de 24 hs. Os espermatozóides mantêm a capacidade fecundante durante o período de 3 a 5 dias. Somados estes dias ao da ovulação e a mais dois ou três dias de garantia após a data ovulatória presumida, o período fértil se estende­ria por 6 a 9 dias, sendo todos os demais dias do ciclo considerados inférteis, num total de 19 a 24 dias em cada ciclo de 28 a 30 dias. O

reco­nhecimento dos dias férteis não é difícil, pois, durante os dias que prece­dem à ovulação, as células cilíndricas do colo uterino[2] secretam, um muco catarral, escorregadio e filante, tipo “clara de ovo cru”, que desce através da vagina e pode ser facilmente identificado pela mulher nos seus órgãos genitais externos, caracterizando o período fértil, pois o muco desapare­ce após a ovulação (período infértil).

Outros sintomas – como a dor pélvica no período ovulatório, a dis­creta elevação da temperatura basal e a dor mamária no período pós-­ovulatório, etc. – podem servir de parâmetros para auxiliar a identificação dos períodos férteis e inférteis em certos casos (chama-se método sin­to-térmico). Na grande maioria das mulheres, basta a observação do muco cervical para a identificação do período fértil (chama-se método Billings em homenagem a seu descobridor, ou método do muco cervical ou método da ovulação).

As observações práticas feitas pelas próprias mulheres, identifican­do o muco catarral e, portanto, o período fértil, foram checadas com exa­mes ginecológicos e com dosagens hormonais no sangue e na urina, comprovando-se cientificamente a validade do método. Pode-se afirmar que o método natural é o único verdadeiramente científico, pois se funda­menta na fisiologia do aparelho reprodutor, preservando sua integridade e respeitando a natural realização e evolução do ato sexual.

Inclui-se também entre os métodos naturais o chamado método do calendário ou da “tabela” ou método de Ogino-Knaus. Foi muito usa­do tempos atrás e ainda o é hoje, mas sua eficácia é menor que a dos modernos métodos naturais atrás referidos.

A eficácia do método Billings é considerada das mais elevadas (98,5%), quando corretamente usado. Foi comprovada pela Organização Mundial de Saúde, que o aplicou em países como índia, Filipinas, Nova Zelândia, El Salvador e Irlanda.

Esse método tem a vantagem de ser inócuo, de não necessitar de algum tipo de medicamento ou de instrumento, nem de calendário. É útil, além disto, porque a mulher passa a conhecer melhor o seu organismo e aprende a identificar a sua própria fertilidade.

O aprendizado é fácil e não exige pessoal especializado, podendo o próprio casal ensinar a outro casal, ou servir de instrutor para grupos de casais. É pequeno o número de falhas, mas, ocorrendo – o que pode acontecer em qualquer método. -, a mulher saberá respeitar a nova vida humana concebida em seu ventre, pois aprendeu, com o método, a res­peitar as próprias fontes da vida.

Nos casos em que a possível ocorrência de uma gravidez cor­responder a sério risco para a mãe, o índice de eficácia do método Billings poderá ser elevado a praticamente 100%, desde que se amplie o número de dias considerados férteis. E ainda mais seguro será, se for associado ao método da temperatura basal corporal, reduzindo-se a quase zero o índice de falha, embora com diminuição dos dias inférteis.

O método Billings é prático, porque pode ser aplicado em todas as situações da fisiologia feminina: na menacme (período da vida em que a mulher menstrua), nos ciclos regulares ou irregulares, na pré e pós-meno­pausa[3], no puerpério[4], na amamentação, etc.

O conhecimento do período fértil é útil também para facilitar a gravi­dez, quando for este o desejo do casal, usando-se, então, para este fim, os dias mais férteis, com muco mais abundante e mais filante.

“De acordo com a OMS, mulheres de todos os padrões culturais e educacionais podem aprender a observar e usar o aspecto do muco cervical para reconhecer quando elas ovulam” (BRITISH MEDICAL JOURNAL, 307: 725,1993)[5].

2. Filosofia Básica dos Métodos Naturais

Os métodos anticoncepcionais (contraceptivos) de controle da na­talidade manipulam as fontes da vida, quebrando o primeiro elo de res­peito à vida humana; estimulam a promiscuidade sexual, promovendo assim a difusão de doenças venéreas e favorecendo a prática do aborto; por tudo isso contribuem para banalizar a sexualidade humana e minar a estrutura básica da família e da sociedade.

Outra é a filosofia dos métodos naturais de planejamento familiar, conforme os princípios da paternidade responsável:

– O Método Natural não é anticoncepcional, porque não utiliza ne­nhum tipo de contraceptivo, pois respeita as fontes da vida e o processo biológico da reprodução humana, optando pela realização do ato sexual somente no período infértil, com abstenção no período fértil.

– Respeita a mulher e o homem em sua mútua fertilidade, integrida­de e dignidade;

– Promove o diálogo conjugal, favorecendo o conhecimento mútuo dos cônjuges e uma atitude conjunta e responsável diante da sexualida­de;

– Possibilita um controle generoso do número de filhos pelo conhe­cimento dos períodos férteis e inférteis; a identificação do período fértil favorece a concepção, quando for esse o desejo do casal;

– Valoriza o amor conjugal, reforçando a união de almas e o entendimento mútuo, a fim de possibilitar a periódica abstenção sexual;

– Enobrece a sexualidade humana, assumindo-a, ambos, como fonte de amor mútuo e não de egoísmo, e respeitando sua natureza e finalida­de intrínsecas.

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NOTAS:

[ 1] MENSTRUAÇÃO Fluxo sangüíneo periódico (geralmente mensal) procedente da cavidade uterina – devido à descamação da mucosa que a reveste (endométrio) – e que se exterioriza através das vias genitais da mulher.

[2] COLO UTERINO – Parte mais estreita e inferior do útero, que se projeta na parte superior da vagina. O colo uterino é atravessado por um conduto (o canal cervical) revestido por uma mucosa secretora, que produz o muco cervical. No trabalho de parto o colo se dilata e se apaga para dar passagem ao bebê.

[3] MENOPAUSA Cessação fisiológica da menstruação, que ocorre geralmente entre os 40 e 55 anos. Ocorrendo antes dos 40 anos, chama-se menopausa precoce. Se ocorre devido a uma intervenção cirúrgica (retirada dos ovários ou do útero), chama-­se menopausa cirúrgica.

[4] PUERPÉRIO Estado da mulher após o parto. Período de aproximadamente 6 semanas, tempo suficiente para o útero voltar ao seu volume normal.

[ 5] According to the WHO, womem of all cultural and educational backgrounds can learn to use cervical mucus symptom observation to recognise when they ovulate” (BRITISH MEDICAL JOURNAL, 307:723 726, 1993 “NATURAL FAMILY PLANNING’).