Conversões: do budismo ao catolicismo

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 401/1995

Em síntese: Eis o relato da conversão de uma jovem budista ao Catolicismo. A transição não foi fácil, pois o Budismo e o Xintoísmo, para os japoneses, fazem parte da identidade japonesa, ao passo que o Cristianismo tem a aparência de uma religião européia. Aos poucos, porém, Michaela Motose percebeu que, abraçando o Cristianismo, ela não traía o budismo, pois esta religião a preparara para acolher em plenitude a Palavra de Deus encarnada em Jesus Cristo. Passo a passo ela foi deixando de ocultar ao mundo a sua identidade cristã, para tentar harmonizar entre si a nacionalidade japonesa e a fé católica. Afinal o que importa, diz ela, não é ser japonesa ou ser européia; é ser ela mesma vivendo a sua vocação cristã de Franciscana Missionária de Maria.

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O anúncio do Evangelho aos povos da Ásia e da África encontrou tradições culturais e religiosas muito antigas, que oferecem resistência à pregação da Boa-Nova. Esta parece ocidental, européia, de modo que afeta o próprio senso nacionalista ou patriótico de vários povos. Todavia não é este o primeiro desafio que o Evangelho sofre; nos primeiros séculos ele enfrentou o poderio do Império Romano pagão perseguidor, ao qual conseguiu falar por causa do fulgor da verdade de Jesus Cristo. Tertuliano (+ 220 aproximadamente), jurista latino convertido, chegou a exclamar: “Ó alma humana, naturalmente cristã!”. O Cristianismo corresponde aos anseios mais profundos da alma humana, anunciando-lhe que Deus é o Primeiro Amor: de maneira gratuita e irreversível, ama o homem e acompanha-o para dar-lhe a plenitude da vida. A experiência, portanto, ensina que não é inútil tentar apregoar a Boa-Nova; ela tem em seu favor a força da vitória de Cristo, pois não é mera mensagem de um filósofo; é um sacramental ou a mensagem de Deus a todos os homens.

Em nossos dias há significativos casos de pessoas que, atraídas pela grandeza da mensagem cristã, vencem preconceitos culturais e dizem um Sim total a Jesus Cristo; testemunham assim quanto o ser humano é sequioso da verdade religiosa ou de conhecer o autêntico sentido da vida. Segue-se o auto-relato da conversão de uma jovem – ­Michaela Motose – japonesa, que, a partir do budismo, encontrou Jesus Cristo[1].

“INTRODUÇÃO”.

São Paulo disse: ‘O que sou, eu o sou pela graça de Deus’. Creio que foi o maravilhoso amor de meu país que me levou ao caminho do encontro com Jesus Cristo. Através do amor e da educação budista que me deram, recebi tal graça.

Sou cristã desde os vinte anos de idade. Alguns anos depois tornei-me Religiosa na Congregação das Franciscanas Missionárias de Maria. Fui enviada ao Marrocos em missão e, depois, à França. Atualmente trabalho na cooperação missionária.

Pediram-me que eu lhes comunique a minha experiência: a passagem do budismo para o Cristianismo e o que para mim o budismo representa hoje. Não me sinto digna de estar aqui, mas respondo com simplicidade e alegria.

O CONTEXTO RELIGIOSO JAPONÊS

O Japão constitui uma sociedade de consumo por excelência. Atualmente é pioneiro do progresso tecnológico. Além disto, a civilização japonesa se enraíza numa tradição de dois mil anos, em que caminham lado a lado o xintoísmo e o budismo.

O Cristianismo foi introduzido em 1549 por São Francisco Xavier no momento em que o país se unificava. Pouco depois, um dos mais poderosos senhores feudais receou que a atividade missionária acarretasse uma invasão estrangeira. Em conseqüência, começou a perseguir os cristãos e a expulsar do país todos os missionários estrangeiros. Depois disto, o Japão fechou suas portas para o resto do mundo durante três séculos.

Ao contrário, o xintoísmo e o budismo puderam desenvolver-se livremente, servindo para corroborar a unidade do país.

O xintoísmo e o budismo se irmanam na vida da sociedade do Japão; por exemplo, a cerimônia do casamento e a apresentação da criança recém-nascida ocorrem no templo xintoísta; mas os funerais são sempre celebrados no templo budista.

No decorrer dos séculos este cerimonial se arraigou tão bem na vida cotidiana que ele se tornou uma forma de cultura mais do que uma expressão religiosa.

Em 1865 missionários franceses evangelizaram de novo o Japão. Em nossos dias há 0,35% (430.000) de católicos sobre um total de 123.000.000 de habitantes.

INFÂNCIA BUDISTA

Nasci numa família budista praticante, e fui educada para tornar­-me esposa de um bonzo[2]. Em casa, como em quase todas as famílias japonesas, tínhamos dois altares: o do xintoísmo e o do budismo.

Seguindo o exemplo de meus pais e de minha avó, desde pequena eu costumava rezar diante do altar de Buda. Um dia minha avó me perguntou: ‘Que pedes diante do altar?’ Surpreendida por esta pergunta inesperada, respondi-lhe: ‘Nada!’. Ela me disse: ‘Está bem. Para Agradar a Buda, é suficiente que fiques diante dele sem pedir coisa alguma’.

Conservei este hábito de rezar adquirido na minha infância. Creio que esta semente de oração da minha infância continua a se desenvolver atualmente: estar diante de Deus, com as mãos vazias, e numa atitude de recolhimento.

Desde a idade de quinze anos procurei um sentido para a minha vida e para toda a aventura humana. Mas ninguém respondeu de maneira satisfatória às minhas perguntas. Após os estudos de segundo grau, passei no exame vestibular para a Universidade. Isto mudou completamente a minha vida. Lá via pela primeira vez a Cruz, uma capela e Religiosas. Antes das aulas, elas começavam com uma oração, dizendo: ‘Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo’. Ainda que dito em japonês, eu nada compreendia de tudo o que elas diziam.

Mais: a Cruz de Cristo me abalou; o semblante de Buda com o seu sorriso suave, misericordioso, sempre sereno, seduzia-me porque me suscitava paz interior. O importante para uma japonesa é viver em har­monia consigo mesma, com a natureza e ter o gosto das coisas belas; isto é um meio de entrar em contato com o Divino.

Um dia, durante uma aula de Religião, uma Irmã leu esta passagem da Bíblia: ‘Jesus morreu na Cruz em favor de todos os povos’ (Ef 2) e esta outra: ‘Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida’ (Jo 14,6). Ouvindo estes textos, fiquei profundamente tocada. Coloquei para mim a questão: ‘Será que Ele morreu realmente em favor dos africanos, dos asiáti­cos e também por mim?’.

Por conseguinte, Jesus se apresenta como aquele que abre o caminho. Este caminho não é outro senão Ele mesmo. Isto não me era claro e eu desejava saber mais sobre o Evangelho, de modo que comecei a estudá-lo com um missionário. Um dia descobri que Deus é Amor e que somos todos amados por Deus. Até então eu seguira a voz da minha consciência, levando vida moralmente honesta; mas isto não era suficiente para mim.

Creio que a pessoa, muitas vezes sem o saber, aspira ao encontro com Deus, que nos criou por amor. Queria tornar-me filha de Deus pelo Batismo. Mas, ao mesmo tempo, eu não desejava violar a harmonia da família, pois em meu íntimo eu sentia como que uma ruptura. Todavia aos poucos se concretizava a grande aventura que seria a minha adesão à religião ‘européia’.

O CRISTIANISMO: RELIGIÃO EUROPÉIA?

O Cristianismo incontestavelmente marcou a cultura ocidental. Assim, por exemplo, a arquitetura das igrejas francesas encarna o Cristianismo. Até o parque de Versalhes, com as suas plataformas artificiais, com as suas alamedas bem traçadas, tem uma simetria que lembra o Infinito. Os japoneses nutrem uma atitude de espírito e uma disposição de alma que decorrem da mentalidade budista, xintoísta e confucionista; toda a vida japonesa é um culto à harmonia e à beleza; tenhamos em vista a mobilidade das nuvens, os reflexos da lua sobre as águas, as flores das cerejeiras… Ou ainda a arquitetura dos templos e das pontes, que está sempre em harmonia com a natureza do ambiente. Por isto na minha alma havia um sentimento de intimidade com a natureza e de resignação confiante na ordem do universo.

No relato do Gênesis sobre a criação lê-se: ‘O Senhor Deus tomou o homem e o estabeleceu no jardim do Éden para que o cultivasse e guardasse’ (Gn 2,5). Qual é a função do homem frente à natureza? Toca-lhe a tarefa de aperfeiçoar a criação; o homem é o gerente do mundo com plenos poderes: Adão, o homem, isto é, todo homem assu­me a criação para continuá-la. A Bíblia é muito clara; o mundo foi dado ao homem para que ele torne o mundo habitável.

O japonês não tem o ideal de transformar a natureza para subordiná­-la às suas necessidades; mas ele aceita a ordem existente no universo e procura adaptar-se a ela.

Contudo Jesus mais e mais me atraía.

Após um conselho de família, o bonzo me disse: ‘Se julgas que tal é o teu caminho, não te posso dizer Não’. Assim aos vinte anos recebi o Batismo. Em conseqüência, tive que seguir minha vida: experimentar uma certa dilaceração para aceitar algo que me era totalmente estranho. Eu sentia uma ruptura dos laços que me uniam aos meus familiares e amigos e eu tinha vergonha face aos meus antepassados. Naquela época, eu vivia escondida e não ousava dizer que me tornara católica.

A Igreja no Japão nasceu e cresceu graças à Igreja da Europa, que é uma semente convertida em árvore. Esta árvore foi transplantada para o Japão. A Igreja no Japão por muito tempo se apresentou com um semblante estrangeiro.

Em meio à paisagem japonesa, a arquitetura cristã guarda seu estilo europeu. Este compreende gestos e práticas pouco usuais no meu país: oração de joelhos, genuflexão, etc.

Embora a Liturgia fosse celebrada em língua japonesa, eu tinha a impressão de estar trajando uma veste que não fora talhada segundo as minhas medidas.

Todavia no meu íntimo eu compreendia aos poucos que o Senhor me chamava à Vida Religiosa. Um dia encontrei um missionário francês e fiquei impressionada pelo modo de viver dos missionários de Jesus Cristo, pela sua humildade, sua simplicidade e principalmente pela sua caridade. Eles dão a vida pelos japoneses sem esperar algo em retorno.

No Evangelho de São João se lê: ‘Não há maior amor do que dar a vida…’. Se eu não tivesse encontrado missionários, a minha caminhada teria sido bem diferente da que é hoje. Apesar de muitas dificuldades, tomei a decisão de entrar na Vida Religiosa, de tudo deixar para seguir o Cristo e, a seu exemplo, doar-me totalmente a Deus e aos outros.

CONCILIAR DUAS IDENTIDADES

Cada vez mais freqüentemente coloco-me a pergunta: Como posso conciliar o Evangelho e duas identidades: a de autêntica japonesa e a de católica batizada? No Japão, após o meu Batismo vivi a vida cristã em meio a outras crenças religiosas, aceitando simplesmente não ser plenamente japonesa; era feliz na Vida Religiosa. Há alguns anos, vivendo na França, descobri que eu não devia descuidar de harmonizar com a cultura japonesa o que atualmente experimento como católica. Nasci no Japão, de pais japoneses. Minha identidade tem raízes na cultura japonesa, e eu passei do budismo ao Catolicismo.

Tornar-me cristã não foi nem propriamente a rejeição da minha religião nem passagem de uma religião a outra, mas o cumprimento de todas as minhas aspirações mediante a acolhida da Palavra de Deus, que se revela em Jesus Cristo.

Hoje agradeço por ter sido educada no budismo, onde encontrei as sementes da Palavra de Deus, que me tornaram capaz de a acolher um dia em plenitude, encarnada em Jesus Cristo; não tenho o sentimento de ter traído a religião que me foi transmitida desde o berço.

O mistério de Cristo se desvenda progressivamente e eu me torno pouco a pouco mais ‘cristã’. Como Religiosa missionária na França, o que me importa não é tornar-me francesa nem ficar japonesa. É simplesmente ser eu mesma e viver a minha vocação cristã de Franciscana Missionária de Maria”.

Sem comentários…

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NOTAS:

[1] O texto que se segue, é traduzido do relato francês intitulado Le Chemin d’Emaüs au Japon e publicado pelo periódico Le Christ au Monde, janeiro-fevereiro 1995, pp.26-30.

[2] O bonzo é como que uma sacerdote budista. (N. d. R.)