(Revista Pergunte e Responderemos, PR 310/1988)
Em síntese: O pastor luterano Wolfgang Tschuschke em 1986 tornou-se católico com sua esposa e seis filhos. A razão que o levou a isto, foram seus estudos de Liturgia, que lhe deram a ver a densidade do culto católico, marcado pela celebração dos santos mistérios ou da obra salvífica de Cristo perpetuada sobre os altares; não apenas a palavra ressoa na Liturgia católica, mas também os feitos redentores de Cristo se tornam presentes e atuantes – o que abre novas perspectivas de espiritualidade e nova dimensão de Cristianismo. W. Tschuschke julga que a politização da Teologia e do culto esvazia o Cristianismo. Deseja ser ordenado presbítero católico, como têm sido outros pastores luteranos e anglicanos nos últimos decênios.
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O ex-pastor luterano Wolfgang Tschuschke serviu durante dez anos a uma comunidade evangélica de Sibbesse, perto de Hildsheim, no Norte da Alemanha. Com o tempo, porém, foi estudando o Catolicismo e resolveu tornar-se católico com sua esposa Sabine e os seis filhos: Jakob, com doze anos atualmente, Agnes, Cordula, Maria, Franziska e Hans (com dois anos de idade). Tem 38 anos de idade. O seu caso chamou a atenção das autoridades eclesiásticas luteranas, assim como dos crentes e da imprensa.
O repórter Paolo Vicentin foi entrevistá-lo, afim de colher informações sobre o momentoso episódio. O depoimento de Wolfgang Tschuschke é assaz interessante. Cada conversão tem seus porquês, pois cada convertido é impressionado por uma faceta do Catolicismo, que talvez tenha caído na penumbra para alguns católicos. Daí a importância de se conhecer um pouco do itinerário espiritual desse homem, que se pôs totalmente à disposição do Senhor Deus.
1. A entrevista
1.1. O processo interior
“Paolo Vicentin: Como chegou o ex-pastor Tschuschke à Igreja Católica?
Wolfgang Tschuschke: Fui ordenado pastor há dez anos. Em Gottingen, onde morava minha família, eu tinha diante de casa uma igreja católica; mas, quando menino ou jovem, nunca pisei lá. Éramos protestantes. Minha mãe descendia de uma família de eclesiásticos luteranos de estrita observância e naturalmente eram-me inculcado que não se entra num edifício de culto católico.
P.V.: E o Sr. sempre observou escrupulosamente tal proibição?
W.T.: Certo que sim; mesmo porque a nós, filhos, não passava pela cabeça lançar uma olhada por entre os muros dos papistas. Quando eu já era pastor, durante férias passadas na Grécia, assisti, pela primeira vez, a uma Liturgia greco-ortodoxa. Após ter estudado Teologia nas Universidades de Gottingen e Heidelberg, tornei-me pastor em Sibbesse, perto de Hildsheim. O primeiro contato, propriamente dito, com o mundo católico, eu o tive quando preparava a minha tese sobre um tema litúrgico. Comprei um Missal como fonte de estudo, e disse a mim mesmo: ‘Vai também a um Gottesdienst (culto) católico. . .” Pela primeira vez, então, freqüentei uma Missa. Foi uma experiência importante. Pois também comprei um Breviário[1] em alemão, sempre como matéria de estudo para a minha Dissertação; veio-me também a inspiração de rezar com a ajuda daquele Breviário.
P.V.: Houve no Sr. uma virada teológica que o fez desembarcar no Catolicismo?
W.T.: Desde que me aproximei da Liturgia e, por conseguinte, da teologia católica, as coisas se me apresentaram sob outro aspecto. Pela primeira vez, perguntei a mim mesmo: ‘Que aconteceu realmente na Páscoa e como aconteceu?’ Já não me bastavam as respostas que ouvira durante os meus estudos, a saber: ‘Cristo ressurge na comunidade dos crentes’ ou ‘A Ressurreição enfatiza a importância da Cruz’. Como quer que fosse, eu já não me sentia á vontade para pregar apenas sobre essas idéias.
Foi então que pensei em rever a minha Teologia. Muito importante para mim foi também a preparação para um Sermão de Natal sobre o início do Evangelho segundo Mateus: ‘Livro da genealogia de Jesus Cristo, Filho de Davi, Filho de Abraão’, trecho onde se fala do nascimento virginal de Jesus. Disse a mim mesmo: isto não é uma lenda piedosa… Eu me convencia de que Deus realmente tocou o mundo com o seu Natal; a Encarnação significa que Ele é, por assim dizer, palpável, . . . que a Palavra se fez carne,… que aconteceu realmente alguma coisa..
1.2. O Luteranismo hoje
P.V.: Como se apresenta a Igreja Luterana com os seus ministros?
W.T.: Existe uma tabulação muito ampla com duas posições extremadas. De um lado, estão os teólogos fortemente esquerdistas, que em suas pregações quase só desenvolvem temas políticos e presidem aos Ofícios litúrgicos de maneira totalmente profana, sem alguma veste litúrgica, e assim por diante. Doutro lado, acham-se os pastores (e as comunidades) que são quase católicos: têm paramentos sacros, tabernáculo, veneração a Maria SS.,
Confissão. . . Se o Sr. assistisse a um culto celebrado por tais pastores, quase diria: ‘Aqui estamos entre católicos’.
P.V.: Quando o Sr. era pastor em Sibbesse, como se comportou? De que lado da tabulação se colocou?
W.T.: Dado que os eclesiásticos luteranos podem, de certo modo, escolher a comunidade em que trabalhem, eu procurei uma do segundo tipo; cresci nela, e procurei realizar as coisas que passam por prerrogativas dos católicos. Houve muitas discussões e oposição não só entre os crentes, mas também entre os meus confrades da vizinhança.
P.V.: A que prerrogativa católica o Sr. dava prioridade no seu trabalho pastoral?
W.T.: Procurei colocar a Eucaristia no centro da minha atividade. Quando cheguei a Sibbesse, na minha comunidade a Santa Ceia era celebrada apenas seis vezes ao ano. Quando deixei a cidadezinha, era celebrada duas vezes por mês. Eu celebrava a Liturgia da Ceia duas vezes por mês, coisa inédita para os luteranos que se colocam do outro lado do quadrante.. . Mas não consegui introduzir a Confissão; existem, porém, comunidades protestantes onde ela é praticada.
P.V.: Houve um dia ou talvez um momento em que o Sr. disse a si mesmo: ‘Sou católico’?
W.T.: Não nego que esta pergunta me perturba e me comove ao mesmo tempo. Não houve um momento preciso, mas descobri sempre mais – e com minha esposa deu-se o mesmo – que no coração éramos católicos. Com Sabine discutimos longamente, como o Sr. pode imaginar, a respeito dos nossos problemas religiosos; o propósito de tornarmo-nos católicos amadureceu em nós simultaneamente, por uma convicção comum, mesmo que tenha decorrido muito tempo para que oficializássemos a nossa escolha.
1.3. O desligamento oficial
P.V.: Como transcorreu, digamos assim, o cerimonial da passagem do Luteranismo ao Catolicismo?
W.T: Pedi audiência ao Bispo de Hildsheim, diocese à qual pertence o território no qual eu era pastor protestante. O Bispo, como se compreende, já estava a par do meu desejo. Mons. Josef Horneyer acolheu-me com um Herzlich willkommen!. . . bem-vindo de todo o coração! Contei-lhe a minha história e, depois, acrescentei: ‘Excelência, eu tinha certo medo de que me dissesse: Fica onde estás. . .’ Ao contrário, respondeu-me o Bispo: ‘Não, não, falo com muita convicção: Herzlich willkommen!’ Estávamos no fim de 1985. Ele me recomendou a um Prelado, com o qual posteriormente me encontrei muitas vezes. No começo de 1986, fomos recebidos, minha mulher e eu, na Igreja Católica.
P.V.: Antes, porém, o Sr. comunicou a sua decisão aos Superiores e à comunidade da qual era pastor?
W.T.: Por certo, não sou o primeiro eclesiástico luterano que se torna católico. Como o Sr. há de se lembrar, há alguns decênios causou muito alarde a conversão de um parente remoto de Goethe, o pastor Rudolf Goethe. Uma vez tomada a decisão, fui visitar alguns ex-párocos protestantes que se haviam tornado católicos e ora exercem o ministério na diocese de Ratisbona. Contaram-me que a sua passagem para o Catolicismo havia sido muito difícil. Mas, com o meu Bispo luterano, a conversa desenvolveu-se com franqueza, mas também fraternalmente. Disse-me: ‘Aceito a sua decisão… ainda que me pese. . .’. Depois acertamos a maneira de dar a notícia aos fiéis.
P.V.: Imagino a sua emoção naquele domingo 12 de janeiro de 1986,
ao celebrar pela última vez a Ceia do Senhor com os fiéis da sua comunidade…
W.T.: Antes do culto marcado para o dia 15, eu tinha convocado os membros do Conselho e os informara oficialmente a respeito de quanto oLandessuperintendent (o meu Superior, o Superintendente local) havia de comunicar, pouco depois, à assembléia. A seguir, fomos juntos para a igreja. Eu já não era o oficiante e não trajava a veste litúrgica, túnica preta com grande colarinho branco, especial para as cerimônias religiosas. Mas ainda recebi a Comunhão. Minha mulher, que é organista, tocou pela última vez durante aquele ofício religioso. O Landessuperintendent, Ernest Henze, ao comunicar a minha decisão, valeu-se da passagem do Evangelho onde Jesus afirma que na Casa do Pai há muitas moradas. Ele disse que respeitava a minha opção e me agradeceu pelo trabalho realizado naquela comunidade.
Depois invocou a bênção do Senhor sobre aquilo que acontecera (assim se exprimiu ele) e que procedera de um coração sincero.
P.V.: E o Sr. que disse naquele domingo aos seus paroquianos?
W.T.: Disse que nos despedíamos, minha mulher e eu, de Sibbesse com o coração partido, mas que o devíamos fazer, porque tínhamos reconhecido a Igreja Católica como o lugar ao qual tínhamos de pertencer. Acrescentei que encontramos na Igreja Católica maior plenitude de sacramentos, de modo que intencionávamos participar dela com os nossos filhos. Sendo assim, pedi aos fiéis que aceitassem e respeitassem a minha caminhada, enfatizando que nós não nos afastávamos daquilo que até então tínhamos acreditado e pregado e que não existe motivo para renegar o que seja. Continuei dizendo que cada um, na Igreja, devia ficar no lugar em que Deuso colocara. E concluí: ‘Deus abençoe esta comunidade e a Igreja luterano-evangélica, e nos leve um dia todos juntos para um Reino onde não haja diversas confissões religiosas’.
1.4. Após a despedida
P.V.: Como decorreram os primeiros dias, as primeiras semanas e os primeiros meses após o Adeus oficial ao protestantismo?
W.T.: Existe uma espécie de acordo entre a Conferência dos Bispos Católicos da Alemanha e os responsáveis da Igreja protestante, segundo o qual os eclesiásticos luteranos que passam para o Catolicismo não devem ficar na região onde são conhecidos e.trabalharam. O Bispo de Hildsheim, por isto, enviou-me a ter com o Bispo de Bamberg, e Mons. Elmar Maria Kredel me destinou para cá, em Schwaig, perto de Norinberga, que pertence à sua arquidiocese. Encarregaram-me das aulas de Religião num Instituto profissionalizante.
P.V.: Sei, porém, que o Sr. tem um desejo bem preciso…
W.T.: Por certo, a minha mais viva aspiração é a de tornar-me sacerdote católico. Em breve encontrar-me-ei com professores de Teologia em Bamberg para definir quais são as minhas lacunas e para que me indiquem o que devo ainda aprofundar (por exemplo, o Direito Canônico). O pedido de dispensa especial já foi encaminhado pelo arcebispo de Bamberg à Santa Sé[2] . Bem espero que me seja concedido o acesso às Ordens Sacras. Não há dúvida, terei que percorrer toda a via: Leitorado, Acolitado, Diaconato e, depois, a Ordenação Sacerdotal.
P.V.: Há outros casos, além daqueles famosos de mais de trinta anos (entre os quais o do citado descendente de Goethe), de pastores protestantes que se tornaram sacerdotes católicos?
W.T.: Em Hildsheim um pastor luterano se converteu há seis anos. Agora é pároco, mesmo tendo esposa e filhos. A comunidade católica o aceitou plenamente e é belo ver isto. Existem muitos outros casos. . . Sei que atualmente vivem na diocese de Ratisbona seis ex-pastores protestantes: cinco deles são párocos, um tem oito filhos, um convento…
P.V.: O Sr. como se sente agora: humilhado, posto de lado, arrependido do passo dado?
W.T.: Na verdade acontece justamente o contrário. Minha mulher e eu, como eu lhe dizia, estamos muito felizes por causa da nossa decisão.
1.5. O que falta…
P.V.: Mas o Sr. não me dirá que tudo é positivo na Igreja Católica. Não será que o Sr., como neófito, vê as coisas róseas demais?
W.T.: Não; estou com os pés no chão. Tenho a impressão, por exemplo, de que, segundo párocos católicos, eu sou um estorvo para o ecumenismo. São reservados ao falar-me. Há muito empenho para cancelar as diferenças entre católicos e protestantes, acentuando-se o que há de comum aos dois lados. Por isto, quando se apresenta alguém como eu, tenho a sensação de que me querem dizer: ‘Eram tão grandes as diferenças para que te decidisses a dar este passo?’
P.V.: No seu modo de ver, por que é que pastores protestantes deixam a sua Igreja e se tornam católicos?
W.T.: Além de motivos pessoais, às vezes impenetráveis, parece-me que o que os atrai ao Catolicismo – foi um pouco o meu caso – é a celebração eucarística e o calor (se assim me posso exprimir) que a discreta presença da Virgem comunica à Igreja Católica. O Papado já não é visto, como era outrora, qual obstáculo para que um luterano se torne católico. Recentemente muitos pastores se separaram da sua Igreja, cansados da politização exercida por seus Bispos.
P.V.: Permita-me insistir: que significa atualmente a Igreja protestante na Alemanha?
W.T.: Não tenciono falar mal. Mas os dados e os fatos têm linguagem eloqüente. A Igreja Evangélica Alemã (EKD), nas dezessete circunscrições regionais em que se reparte, perdeu, de 1970 a 1985, mais de 3.300.000 fiéis. Neste segmento de tempo, o número dos protestantes alemães caiu de quase 12% , passando de 28,5 a25,1 milhões. A maior parte das defecções se verifica na Alemanha Setentrional.
P.V.: Que elementos da sua Igreja protestante lhe fazem falta, agora que se tornou católico e espera ser ordenado sacerdote?
W.T.: Falta-me, e sempre me farão falta, os nossos Lieder (cantos), aqueles corais religiosos tão belos; falta-me também a música que se toca entre os protestantes – principalmente em certas datas. Perturbam-me, na Igreja Católica, os rosários recitados sem reflexão. Mas principalmente os católicos às vezes cedem demais aos luteranos…
P.V.: Se o Sr. tivesse o desejo e a possibilidade de se encontrar com Hans Küng, que é que lhe pediria?
W.T.: Talvez eu lhe colocasse uma só pergunta: ‘Sr. Professor, por que não passa para o protestantismo?’ ”
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2. Comentários
O depoimento de Wolfgang Tschuschke sugere algumas reflexões:
1.1. Catolicismo e Protestantismo
1) O Luteranismo e o Calvinismo são as denominações mais antigas e clássicas do Protestantismo, pois se reduzem aos iniciadores do movimento reformista do século XVI. Especialmente o Luteranismo conserva muitos elementos tradicionais, que o aproximam da Igreja Católica. Daí o interesse de pastores luteranos pela Igreja Católica. Hoje as tensões entre católicos e protestantes estão muito amainadas, pois, numa reflexão objetiva, se vê que as objeções levantadas por Lutero são superáveis.
O fato de haver denominações diversas dentro do Cristianismo é doloroso. Deve-se às vicissitudes humanas. Todavia o cristão não é relativista; sabe que a Igreja fundada por Jesus Cristo foi confiada a Pedro e seus sucessores, a quem o Senhor prometeu infalível assistência até o fim dos tempos (cf. Mt 16,16-19; 28,18-20).
As denominações cristãs que não reconhecem o primado de Pedro, estão separadas, como se diz; mas também se pode afirmar, com o Concílio do Vaticano II que estão em comunhão imperfeita ou incompleta com a Igreja de Cristo; com efeito, estão em certa comunhão, porque possuem, em grau maior ou menor, elementos da Igreja de Cristo (a Bíblia, o Batismo, a oração, o martírio…); tais elementos devem ser acrescidos de outros (Eucaristia, ministério sacerdotal, demais sacramentos, fidelidade a Pedro…), também constitutivos da Igreja de Cristo, para que a comunhão se torne perfeita (cf. Decreto Unitatis Redintegratio n94).
Esta concepção otimista derruba barreiras inúteis entre católicos e protestantes, mas não deve fazer esquecer que o protestantismo parte de premissas inaceitáveis ao Cristianismo clássico; entre estas, se acha a recusa da Tradição oral, a fim de privilegiar unicamente a Escritura como fonte da Revelação Divina. Esta posição chega a ser ilógica, pois implicitamente ela afirma o que explicitamente ela nega. Com efeito; pergunta-se: se a S. Escritura é a única fonte de fé e tudo tem que ser provado mediante a Bíblia, onde é que a S. Escritura define o seu Cânon ou o seu catálogo? Onde leio na Bíblia que tais são os livros inspirados por Deus e não mais nem menos? A Bíblia não o diz; somente pela Tradição oral é que o crente sabe que Deus falou e que a sua Palavra se encontra em tais escritos sagrados, e não em outros. Veja-se a Constituição Dei Verbum do Concílio do Vaticano II:
“Pela Tradição torna-se conhecido à Igreja o Cânon completo dos livros sagrados e as próprias Sagradas Escrituras são nela cada vez mais profundamente compreendidas”
(n° 8).
A S. Escritura arrancada do seu berço anterior e luzeiro concomitante, que é a Tradição oral, está sujeita a ser interpretada subjetivamente de diversas maneiras – o que dá origem às centenas de denominações protestantes.
2.2.O específico católico
O que atraiu Wolfgang Tschuschke ao Catolicismo, foi principalmente a Eucaristia.
Por quê?
– Porque a Eucaristia, como perpetuação do Sacrifício de Cristo e como real presença do Senhor Jesus, constitui a verdadeira riqueza do Cristianismo e, por conseguinte, da Igreja Católica. Faz que no culto cristão não haja apenas a Palavra e sinais simbólicos, mas, sim, uma história, que começa com a criação do primeiro homem (tipo do futuro ou do segundo Adão; cf. Rm 5,14; 1Cor 15,45-49), culmina na Encarnação ou na vinda do segundo Adão e se estende através dos séculos nos membros do Corpo de Cristo. Tal é o sentido da expressão “Santos Mistérios” ocorrente ao iniciar-se cada celebração eucarísticas[3]. A imagem da videira (cf. Jo 15,1-6) é extremamente significativa no caso: implica que entre Cristo (tronco) e os cristãos (ramos) haja a mesma seiva, a mesma vida: é a seiva de Cristo que frutifica nos ramos, de modo que São Paulo podia dizer: “Vivo eu, não eu; é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20) e São João: “Vede com que amor Deus nos amou: somos chamados filhos de Deus. E nós o somos:” (1Jo 3,1).
Portanto o conceito de SACRAMENTO (a Igreja é Sacramento, os sete ritos habituais são sacramentos) é realmente o grande diferencial existente entre Catolicismo e Protestantismo. Sem o Sacramento neste sentido amplo, o Cristianismo se esvazia enormemente, reduzindo-se às dimensões de uma escola de bons costumes, de uma sociedade que interpela e estimula o psíquico (conhecimento e afetos), ou ainda a um sistema de curas e “exorcismos” (como acontece, conseqüentemente, nas mais recentes denominações protestantes).
A noção de SACRAMENTO garante a objetividade ou uma realidade transubjetiva (não meramente subjetiva) do culto e da vida cristãos. É mediante sua união sacramental com Cristo que todo cristão, mesmo pregado à cruz (ou ao seu leito de dor) leva uma existência espiritualmente fecunda, pois pode dizer com São Paulo: “Completo em minha carne o que falta à Paixão de Cristo em favor do seu Corpo, que é a Igreja” (CI 1,24).
2.3. Politização
Wolfgang Tschuschke refere-se à politização que invade certos setores do Luteranismo e o desvirtua ou empobrece. Esta observação interessa muito a alguns ambientes católicos, que sofrem o mesmo perigo e que já experimentaram os frutos negativos de tal onda; os fiéis se afastam da Igreja quando aí não encontram o que Ela tem de específico a dar-lhes. O ministro católico sabe que a mensagem da fé continua a ser procurada pelos homens de hoje; o ser humano traz no fundo de si a ânsia do Transcendente e do Absoluto, de tal modo que, quando ele não cultua o verdadeiro Deus, cria seus ídolos ou suas religiões seculares com falsos absolutos, como lembra oportunamente o Documento de Puebla:
“As ideologias trazem em si mesmas a tendência a absolutizar os interesses que defendem, a visão que propõem e a estratégia que promovem. Neste caso, transformam-se em verdadeiras ‘religiões leigas’ Apresentam-se como uma explicação última e suficiente de tudo e se constrói assim um novo ídolo, do qual se aceita às vezes, sem se dar conta, o caráter totalitário e obrigatório. Nesta perspectiva não é de estranhar que as ideologias tentem instrumentalizar pessoas e instituições a serviço da eficaz consecução de seus fins. Eis o lado ambíguo e negativo das ideologias” (n° 536).
2.4. Casos paralelos
O entrevistado menciona casos de pastores luteranos que se fizeram católicos nos últimos tempos. Em PR 259/1981, pp. 387-391, tem-se a notícia de que também diversos ministros anglicanos recentemente pediram admissão na Igreja Católica e foram acolhidos, chegando mesmo a receber o sacramento da Ordem. A Congregação para a Doutrina da Fé emitiu a respeito uma Declaração publicada a 1°/04/81: entre outras coisas, explica que tais ex-ministros anglicanos se tornaram sacerdotes católicos no uso de suas atribuições conjugais, mas que se tratava de casos individuais, os quais não afetam as normas do celibato sacerdotal.
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Em conclusão: o caso de Wolfgang Tschuschke merece admiração pela sinceridade e a coragem de que deram provas o ex-pastor e sua esposa. As razões alegadas pelo entrevistado dão muito que pensar aos fiéis católicos, aos quais o Senhor concedeu denso patrimônio espiritual a ser conservado com amor e transmitido fielmente ao mundo.
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NOTAS:
[1] Com nome mais recente dir-se-ia: Livro da “Liturgia das Horas”
[2] Sendo casado, W. Tschuschke precisa de especial licença para ser ordenado presbítero.
(N.d.T.)
[3] Ver Curso de Liturgia por Correspondência, Módulo 7. Caixa Postal 1362, 20001 Rio (RJ).