(Revista Pergunte e Responderemos, PR 107/1968)
«Podem-se indicar as causas do ateísmo contemporâneo?»
Resumo da resposta: O ateísmo contemporâneo se deve a fatores derivados da vida moderna, como também a motivos de índole religiosa.
Entre os fatores de índole não religiosa, notam-se:
– o aguçamento do senso crítico da humanidade. Esse aguçamento é motivado pelo progresso das ciências «exatas» e da técnica, pelos da psicologia das profundidades, pela rápida circulação de idéias, pelo pluralismo vigente nas sociedades democráticas, pelo esfacelamento da família e de suas tradições;
– a onda de emancipação que atinge os mais diversos setores da vida moderna: emancipação política, econômica, social, racial, intelectual e também… religiosa;
– a afirmação da consciência comunitária. Julgam muitos que, para atender a seus deveres sociais, devem desdizer a Religião, que seria «alienante»;
– a descoberta da história. Esta gera o senso do relativismo, que vai sendo aplicado à verdade, e à verdade religiosa;
– a dissipação da vida moderna.
Observa-se outrossim que a Religião mal apresentada e vivida suscita descrença e afastamento em muitos homens.
Ora quem reflete sobre o ateísmo verifica que não se deriva de uma certeza filosófica ou científica. O ateu não tem a evidência de que Deus não existe; ele é ateu por motivo de índole prática ou de conveniência. Ora essa posição de «fé» (fé invertida) do ateísmo é menos humana e intelectual do que a crença em Deus, pois o ateu tem de recusar certas questões de importância capital para o homem: donde vimos? para onde vamos? que sentido tem a morte? – Na verdade, é difícil responder a estas perguntas sem admitir Deus.
—X—
Resposta: O ateísmo não é um fenômeno espontâneo ou natural na história do gênero humano. É sempre uma atitude pós-religiosa: supõe a Religião e constitui como que uma réplica à mesma. É o que explana o artigo de «P. R.» 92/1967, pág. 321.
Também a ateísmo contemporâneo se apresenta como fenômeno ocasionado por circunstâncias próprias de nossos tempos. Procuraremos abaixo enumerar os principais dos fatores que, próxima ou remotamente, dão lugar ao ateísmo. A seguir, proporemos uma reflexão sobre tal fenômeno.
1. Causas do ateísmo contemporâneo
A pesquisa das causas que geram o ateísmo de nossos dias, é especialmente recomendada pelo Vaticano II:
A Igreja tenta descobrir no pensamento dos ateus as causas ocultas da negação de Deus, consciente da gravidade dos problemas que o ateísmo levanta. E, guiada pela caridade para com todos os homens, julga que esses problemas devem ser submetidos a um sério e mais aprofundado exame (Const. «Gaudium et Spes» n° 21, 2).
Os fatores que originam ou fomentam o ateísmo em nossos dias, podem ser compreendidos sob dois títulos: 1) fatores decorrentes da cultura e da civilização contemporânea; 2) fatores decorrentes da própria Religião.
A. Cultura moderna e ateísmo
Há inegavelmente estreita correlação entre o ateísmo e certas características da vida de nossos dias, como se poderá depreender da exposição abaixo.
Em nossos tempos registra-se:
1) Um aguçamento do senso crítico
O homem de hoje, sacudido por duas guerras mundiais sucessivas, é, com razão, exigente de autenticidade; tende a «repensar» a civilização e as antigas instituições, a fim de se livrar de falsos princípios ou falsos valores. O cidadão do séc. XX se sente adulto, quer evitar atitudes ingênuas ou infantis, pede provas que o persuadam, rejeita o que não seja
funcional…
Esse espírito crítico é, de modo especial, aguçado por certos elementos da vida moderna, como:
a) o progresso das ciências ditas «exatas» (a física, a matemática. ..). O cultivo de tais ciências pode levar o homem a julgar que não há certeza fora desses ramos do saber; os princípios e as conclusões do saber humanista (filosofia, direito, moral, religião… ) podem, consequentemente, parecer vagos e discutíveis, já que não caem sob o regime da matemática. – Ora a Religião é, por si mesma, o contato com o Mistério e o Transcendental; suas proposições não são irracionais, mas também não podem ser todas demonstradas pelas ciências exatas, pois ultrapassam o alcance destas. Daí a distancia entre a mentalidade do homem moderno (que desde seus primeiros anos vive numa civilização cientificista, brincando com trens elétricos, mecanôs, etc.) e a mentalidade religiosa. Esta continua tendo seu pleno valor; todavia o homem de hoje, se lhe tornou, em grau maior ou menor, impermeável, declinando facilmente para o indiferentismo religioso e o ateísmo.
Nos países marxistas, a propaganda atéia é sistematicamente levada a efeito como se fosse serviço prestado à «ideologia científica» (tal é o nome do ateísmo naquelas regiões).
b) O progresso das ciências psicológicas. A psicologia das profundidades cultivada por Freud levou-nos a descobrir as riquezas e os recantos da alma humana; certos tipos de comportamento são explicados como conseqüências de recalques e complexos… Ora muitos psicólogos e analistas modernos, a partir do próprio Freud, interpretam a Religião precisamente como resultado de um sério desvio psicológica; segundo o fundador da psicanálise, a Religião é uma grande ilusão que está fadada a se extinguir. Em conseqüência, muitos jovens e adultos se põem a duvidar da autenticidade de suas atitudes religiosas, tendendo facilmente a interpretá-las como deformações de sua verdadeira personalidade.
c) O progresso da técnica proporciona ao homem moderno faculdades que lhe dão a impressão de poder dispensar Deus e seu auxílio; muitos dos favores que os povos outrora pediam a Deus, o cidadão contemporâneo os pode obter mediante os recursos da técnica.
d) A rápida circulação de idéias, em nossos dias, favorecida pelos meios de comunicação de massa, põe o homem em contato com os mais diversos modos de pensar e viver (no plano civil, nacional e no plano religioso), sugerindo-lhe a relatividade dos vários pontos de vista. O ecletismo e o indiferentismo assim se instauram em lugar da verdadeira fé religiosa.
Aqui não se pode deixar de observar quão grande é a responsabilidade dos que dirigem a imprensa escrita e falada; caso atendam ao sensacionalismo e ao lucro comercial mais do que à difusão da verdade, causam enorme dano ao público. Este dano é tanto mais ponderoso quanto se sabe que muitos e muitos dos camponeses e cidadãos modernos não recorrem a outras fontes de informação fora do rádio, da televisão, dos jornais e das revistas ilustradas.
e) O pluralismo vigente nas sociedades democráticas ocasiona a afirmação e propagação dos mais diferentes conceitos e costumes; o cidadão, principalmente quando carece de meios ou tempo para estudar, é constantemente interpelado por sentenças e opiniões contraditórias, que o desnorteiam, induzindo-o por vezes ao ceticismo parcial ou total no tocante à Religião.
Com esta observação não se quer negar a legitimidade do pluralismo ou da existência de diversas atitudes na sociedade. É preciso, porém, que cada cidadão trate de averiguar o que há de certo e errôneo em cada proposição que lhe é transmitida; caso não o faça, arrisca-se a ceder à confusão à descrença.
f) O fim do regime de Cristandade. Por «Cristandade» entende-se a civilização inspirada pelo Cristianismo tanto em suas instituições religiosas como em sua organização civil. Ora, a partir do século XVI, registra-se a laicização crescente da vida pública; o Estado se separa da Igreja e governa como se Deus e a Religião fossem valores meramente relativos e opcionais.
Com isto não se quer dizer que, em nossos tempos, todo e qualquer Governo deva professar determinado Credo religioso. É preciso, porém, que o Estado reconheça e favoreça a Religião e suas manifestações na vida dos súditos.
g) O esfacelamento da família e de suas tradições. Motivos profissionais e econômicos levam muitos trabalhadores a emigrar de uma nação para outra, deixando seus familiares, por tempo mais ou menos longo, na pátria. Além disto, razões de ordem moral (adultério, divórcio…) acarretam freqüentemente a dissolução dos lares. Ora a família está intimamente associada à Religião; é no lar que esta começa a ser transmitida e vivida. Por isto, com a ruína da família registra-se também o abalo da Religião.
Estes diversos fatores que integram a vida moderna, produzem inegavelmente o criticismo em relação aos valores invisíveis. Não poucas pessoas falam consequentemente de uma «desmitização» da Religião, desmitização que consiste não somente em eliminar os mitos ou os conceitos religiosos infantis e defeituosos que por vezes desfiguram a verdadeira Religião, mas também em erradicar o próprio conceito de Deus e a Religião como se fossem mitos.
Consideremos agora outro fator (remoto ou indireto) do ateísmo em nossos dias.
2) A afirmação da consciência personalista
Em nossos dias é cada vez mais realçada a dignidade da pessoa humana, dignidade que se manifesta principalmente na autonomia que compete ao ser humano.
O crescente desejo de autonomia leva a procurar emancipação ou libertação… Na verdade, a época moderna vem assistindo a uma série de movimentos de emancipação:
a) emancipação política, que se manifesta na repulsa do colonialismo e na ascensão das nações jovens do Terceiro Mundo;
b) emancipação econômica: as classes trabalhadoras procuram tornar-se mais e mais proprietárias;
c) emancipação social: a mulher vai adquirindo o lugar que lhe compete na sociedade, em antítese à posição inferior a que era relegada : a mulher vota, a mulher estuda, a mulher lidera. – Também os jovens tendem à emancipação;
d) emancipação racial: os homens de cor procuram dissipar qualquer preconceito racial;
e) emancipação intelectual: reivindica-se hoje em dia a liberdade de pensamento e de expressão.
Nesta série de movimentos «emancipacionistas» , coloca-se também a emancipação religiosa. A Religião vem a ser considerada por muitos como tutela, tutela a ser rejeitada por uma humanidade «adulta».
Na verdade, a Religião é a elevação do homem a Deus. Ora «servir a Deus é reinar», é consecução da verdadeira soberania e liberdade!
Muitos chegam a julgar que negar a Deus é condição necessária para que se salve ou promova a pessoa humana; Deus seria obstáculo ao progresso. Quanto menos o homem for religioso, dizem, tanto mais será homem.
São palavras de Sartre:
Se Deus existe, o homem é o nada. Se o homem existe, Deus não existe» («Le Diable et le Bon Dieu»).
«Ser homem é tender a ser Deus… O homem é fundamentalmente desejo de ser Deus» («L’Etre et le Néant», pág. 334 e 653).
Anteriormente dizia Nietzsche:
«Todos os deuses estão mortos, queremos agora que viva o Super-Homem» («Assim falou Zaratustra»).
3) A afirmação da consciência comunitária
Registra-se no mundo um processo de socialização crescente. Esse processo desperta nos homens o senso da história e dos deveres que lhes cabem no decorrer dos séculos; o horizonte dos indivíduos e dos povos se dilata cada vez mais, no tempo e no espaço.
Ora a descoberta dessa dimensão horizontal da existência e das tarefas que ela implica, parece a não poucos homens estar em conflito com o ideal religioso. A Religião é tida como «alienante» ou como fator que trava o dinamismo das sociedades e da história. São conhecidas as frases dos grandes mentores do comunismo, das quais vai aqui destacada a seguinte, devida a Lenine
«A religião, berçando na esperança de uma recompensa celeste o homem que sofre a vida inteira na miséria, ensina-lhe a paciência e a resignação. Quanto àqueles que vivem do trabalho alheio, ensina-lhes a praticar a beneficência neste mundo. oferecendo-lhes assim uma fácil justificativa da sua existência de exploradores, vendendo-lhes a preço barato bilhetes de participação na felicidade celeste. A religião é o ópio do povo; a religião é uma espécie grosseira de água-ardente espiritual, na qual os escravos do capital afogam o seu ser humano e as suas justas reivindicações em favor de uma existência digna do homem».
Palavras análogas encontram-se nas obras de Karl Marx dos marxistas contemporâneos.
4) A descoberta da história
A partir de Darwin, os homens têm mais e mais a consciência do fator «evolução» e de seu significado; as ciências empíricas manifestam cada vez mais as mudanças e transformações por que têm passado, passam e passarão o gênero humano e as realidades sensíveis.
«Tudo muda!» Esta verificação sugere relativismo. Em vista disto, muitos perguntam se a própria verdade não está sujeita a mudança ou se ainda existe propriamente verdade nos setores da filosofia e da Religião. A Religião com suas «verdades» não seria algo de contingente, algo de associado a formas de cultura e civilização já ultrapassadas?
Respondendo positivamente a estas dúvidas, não poucos homens aderem ao indiferentismo religioso e ao ateísmo.
5) A dissipação da vida moderna
A civilização contemporânea é, evidentemente, dissipante: é a civilização do barulho e da pressa. As grandes aglomerações urbanas dificultam ao homem o encontro consigo mesmo no silêncio e na solidão; o cidadão, vivendo em apartamentos e escritórios, vai perdendo o contato com a natureza; os meios de comunicação de massa (rádio, televisão… ) interpelam continuamente a pessoa, queira-o ou não. Enfim divertimentos e solicitações se multiplicam, tornando a vida variada e atraente.
Ora este quadro geral tem sua repercussão na orientação religiosa dos homens: diminui-lhes as possibilidades de se recolher, ler ou estudar, justamente num período da, história em que o senso crítico se torna mais exigente (exigente de maior reflexão). Os valores transitórios assim tendem a polarizar a atenção dos homens, o que favorece o agnosticismo.
As características de civilização que acabam de ser apontadas, verificam-se principalmente no mundo ocidental. Elas tendem, porém, a recobrir a terra inteira, de sorte que também no Oriente – cuja população é profundamente religiosa – a indiferença e a descrença se vão implantando.
Resta agora examinar outra categoria de elementos que favorecem o moderno ateísmo.
B. Religião depauperada e ateísmo
Observa o Concílio do Vaticano II:
«O ateísmo, considerado em seu conjunto, não tem a sua origem em si mesmo; é, antes, originado por causas diversas, entre as quais se enumera uma reação crítica contra as religiões e, em algumas regiões, sobretudo contra a religião cristã. Por esta razão, na gênese do ateísmo, grande parte podem ter os crentes, na medida em que, negligenciando a educação de sua fé, ou usando de falaz exposição da doutrina, ou cometendo faltas na sua vida religiosa, moral e social, se poderia dizer que mais escondem do que manifestam a face genuína de Deus e da religião» (Const. «Gaudium et Spes» W 19, 3).
É certo que os homens tendem a julgar Deus e a Religião pela apresentação que de tais valores propõem os homens ditos «religiosos». Ora o Cristianismo, nos séculos XVIII e XIX, ressentiu-se profundamente da influência daninha de correntes de pensamento heterogêneas: o racionalismo de Kant e outros autores, o positivismo de Comte, o jansenismo, a mentalidade barroca com sua piedade exuberante, mas carente de teologia profunda…
Pode-se admitir que, não dando lúcido testemunho de sua fé, os cristãos tenham decepcionado seus semelhantes, induzindo-os à indiferença (talvez não seja fácil ao homem crer que a verdade continua a ser verdade, mesmo quando seus adeptos não a traduzem devidamente).
A propósito se encontram ulteriores considerações em «P.R.» 92/1967, pág. 326-9.
Passemos agora a uma
2. Reflexão sobre o ateísmo
Os estudiosos verificam que o ateísmo contemporâneo não é o resultado de uma pesquisa ou de um estudo do problema de Deus, mas é simplesmente uma opção. Em outros termos quem afirma que Deus não existe, não o diz porque tenha certeza do que assevera, mas simplesmente porque escolheu dize-lo. O ateu moderno não se interessa pelas questões atinentes a Deus e à Religião; não examina provas da existência ou não-existência de Deus; mas simplesmente opta por não crer em Deus. Sua posição não se deriva de uma clareza intelectual adquirida por raciocínios, mas se baseia apenas na livre recusa de admitir Deus.
Há quem diga que a explicação do universo dada pela ciência nos liberta da existência de Deus. Pois bem; o ateu aceita esta afirmação sem cuidar de a averiguar.
«A pretensão, sustentada pelo ateísmo moderno, de ser o resultado da ciência serve para mascarar o incontestável fato histórico de que o ateísmo se deriva de um protesto de índole irracional, protesto para o qual as razões objetivas são de importância secundária. À luz da psicologia moderna, devemos asseverar que esse protesto ocorre por motivos, ao mesmo tempo, conscientes e inconscientes. e que as aparatosas razões científicas que o ateu aduz, servem para mascarar a si e aos outros a realidade dos fatos» (Siegmund, «Storia e diagnosi dell’ateismo moderno)», tr. it., 1961, pág. 534).
Observa o Pe. Inácio Lepp, que durante longos anos aderiu ao marxismo:
«Poucos são os incrédulos de hoje, principalmente entre as pessoas cultas, que o sejam por motivos rigorosamente racionais. Os argumentos racionalistas contra a religião geralmente não têm valor para o ateu senão porque o ateu tem razões de ordem existencial para não crer» («Psychanalyse de 1’afhéisme moderne» Paris, 1961, 19s).
Por sua vez, escreve Verneau:
O ateísmo contemporâneo não é tanto a negação de Deus quanto a recusa de crer nele… A negação é uma tomada de posição objetiva; a recusa é puramente subjetiva. O ateísmo, em nossos dias, não é uma posição tomada pelo espírito ou… pela sazão enquanto
tende para a verdade, como seria o juízo ‘Deus não existe’. Este juízo seria de índole metafísica; ora o que caracteriza a mentalidade da nossa geração… é a recusa de entrar nessa ordem de considerações, nas quais a razão supera o plano da experiência… do fenômeno, e afirma por via lógica a existência do transcendental…
Mas, se o ateísmo não se nos apresenta como uma verdade metafísica, então que é? Uma escolha, consciente e deliberada, a respeito do bem ou do último fim do homem ou, em última análise, a respeito do próprio homem. O ateu não quer crer em Deus para poder crer no homem; recusa-se a admitir a existência de Deus para que o homem possa existir ou, como se diz, sair do seu estado de alienação, libertar-se psicologicamente de todo sentimento de independência, afirmar-se como liberdade absoluta, fazer-se ou criar-se por si, » (citado por G. Girardi, «Riflessioni sull’ateismo». Roma 1967, pág. 62).
Na verdade, essa atitude do ateu equivale a um ato de fé, uma fé às avessas, cujo conteúdo não é adesão a Deus, mas, ao contrário, uma tomada de posição contra Deus. Com efeito, o ateísmo não é algo de evidente, que se imponha ao raciocínio; a ateísmo simplesmente não é evidente, como também não é evidente por si a fé cristã (com seus sagrados mistérios). Isto, de um lado, deveria levar os cristãos a compreender o ateísmo dos ateus e, de outro lado, deveria impelir os ateus a «repensar» a sua incredulidade, desde que tomassem consciência de estar aderindo a algo de que não têm evidência. «O ateísmo é uma fé… A incredulidade é, antes do mais, uma crença» (Henry, L’athéisme d’aujourd’hui» , em «L’athéisme, tentation du monde, réveil des chrétiens?». Paris 1963, pág. 37s).
Ora a «fé» (ou a posição) dos que não crêem em Deus, é artificial e pouco humana. Muito mais razoável é a atitude dos que admitem Deus, pois se torna difícil, se não impossível, admitir que o universo e o homem se expliquem sem um Ser Infinito e Transcendente. Com efeito, muitos ateus, para sustentar o seu ateísmo, fecham os olhos a certas questões, como as que dizem respeito à origem do mundo, do homem, à morte e ao sentida geral da existência humana; julgam que tais questões não devem ser colocadas, pois implicam «ficções» absurdas.
Eis, por exemplo, como, desde Lucrécio ( 55 a.C.) até Sartre e Simone de Seauvoir, há quem procure afastar qualquer reflexão sobre a morte:
«Enquanto existimos, a morte não está presente; e, desde que a morte se torna presente não mais existimos. A morte, portanto, nada é, nem para os vivos, nem para os mortos, pois, para aqueles que são, ela não é, e aqueles para quem ela é não são mais» (Lucrécio, citado por Roger Mehl em «Le vieillissement et la morb», P.U.F., 1956).
Nesse «raciocínio» há um sofisma, pois na verdade a morte nos está sempre presente, sempre impregnada e atuante no ser humano desde que ele nasce. Impõe-se, pois, a todo
homem a reflexão sobre a morte ou sobre o «donde» e o «para onde» vamos; sem clareza nestes pontos, o homem dificilmente se realiza.
O episcopado polonês, em carta pastoral coletiva de 15/VI/67, propôs as seguintes considerações sobre o assunto:
«O ateísmo se coloca falsamente contra a experiência milenar de todo o gênero humano. Ontem, como hoje, o homem é instintivamente levado a reconhecer a existência de Deus. É o que se verifica não somente nos povos primitivos que sobreviveram até nossos dias, mas também nas nações mais evoluídas. Essa unanimidade universal dos povos fica sendo um fato irrefutável e atesta que o ateísmo está em desacordo com a natureza humana.
O Concílio nos ensina que o ateísmo ‘faz o homem decair da sua nobreza nativa’. Deus criou o homem inteligente e livre, mas principalmente ‘como filho Ele o chamou à sua intimidade e ao consórcio da sua própria felicidade’ (Const. «Gaudium et Spes» 21). A negação da existência de Deus separa o homem da fonte dos mais profundos valores humanos.
Numa palavra, o ateísmo é contra o homem. O Papa João XXIII, de santa memória, bem o afirmou numa de suas encíclicas: ‘O homem separado de Deus torna-se terrível para si mesmo e para seus irmãos’ (enc. «Mater et Magistra» 4,1).
O ateísmo deixa sem resposta as questões mais angustiantes que todo homem deve enfrentar: o sentido da vida, o sentido do sofrimento e da morte. ‘Assim muitas vezes os homens mergulham no desespero. Só Deus lhes pode responder de maneira cabal e irrecusável, Ele que nos convida a uma reflexão mais profunda e a uma procura mais humilde’ (Const. ‘Gaudium et Spes’ 21)» («La Documentation Catholique» n° 1512, 3/111/68, col. 422).
Estas observações feitas ao ateísmo estão longe de significar que se devam distanciar cristãos e ateus, ignorando-se ou hostilizando-se mutuamente. O cristão deverá sempre distinguir entre o ateísmo e os ateus; rejeitará aquele, e amará sinceramente a estes, mantendo-se aberto ao diálogo com todos os homens.
Sobre a genuína atitude dos cristãos frente ao ateísmo, haverá um artigo no seguinte fascículo de «P.R…»
Pequena bibliografia:
Georg Siegmund. «O ateísmo moderno. História e psicanálise. Edições Loyola. São Paulo 1966.
Giulio Girardi, «L’Ateismo contemporaneo». Roma 1968.
Cornelio Fabro, «God in exile». Glen Rock 1968.
Paul Haubtmann, «Foi et athéisme» . Toulouse 1968.
Vários, «L’Athéisme, tentation du monde, réveil des chétiens?» Paris 1963).
J. Javaux, «Prouver Dieu?» . Desclée 1967.