Deus, existência: Deus existe mesmo? ou basta o acaso?

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 160/1973)

 

DEUS EXISTE MESMO? OU BASTA O ACASO…?

Em síntese: Uma via assaz eloqüente, em nossos dias, para eviden­ciar a existência de Deus é a que parte da consideração do próprio homem. Já em PR 117/1969, pp. 372-385 e 118/1969, pp. 411-416, ponderamos as­pectos do ser humano nesta perspectiva. Desta vez, voltamo-nos para o organismo e o psiquismo do homem. Os diversos órgãos do corpo humano (coração, pulmões, olhos, ouvidos, cérebro, estômago…) são tão sabiamente estruturados que supõem uma inteligência, a qual os concebeu e criou. A matéria inanimada, embora rica em energias, não inventa nem progride; ela espera a inteligência. O homem mesmo não é o autor do seu cérebro nem de seus olhos… Existe, pois, uma inteligência superior ao homem, que deu origem a tudo o que existe. Tal inteligência é classicamente chamada “Deus”. O acaso nada explica, pois propriamente não há acaso; chama-se casual um acontecimento cujas autênticas causas o homem ignora; “acaso” é, portanto, de certo modo, palavra equivalente a “ignorância”.

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Comentário: Em PR 117/1969, pp. 372-385 e 118/1969, pp. 411-416, foram publicados respectivamente dois artigos que, a partir das aspirações fundamentais do ser humano, acena­vam à existência de Deus. As reflexões que se seguem, pro­curarão chegar ao mesmo objetivo levando em conta o homem na medida em que é um ser biológico e apresenta facetas im­pressionantes do mistério da vida. Tais ponderações têm seu especial significado num momento em que estudiosos de bio­logia (entre os quais Jacques Monod; cf. PR 141/1971, pp. 386-399) afirmaram o acaso como fator explicativo da reali­dade «vida» e do ser humano.

Proporemos sucintamente: 1) dados de anatomia e fisio­logia humana; 2) reflexões sobre os mesmos; 3) uma objeção.

1. O mistério da vida humana

Salientemos alguns aspectos típicos da biologia e da ana­tomia do homem.

1 .1 . O crescimento da matéria viva

O crescimento da matéria viva não se assemelha à mon­tagem de uma máquina como tal. A «máquina viva» – seja a da planta, seja a do animal – apresenta a característica de se construir a partir de uma única célula. E note-se bem: a célula inicial não deve ser concebida como um microorganismo, no qual se encontrariam desde o início todos os devidos órgãos em dimensões microscópicas, à espera de crescer e atingir o seu tamanho normal. Não; o crescimento do organismo vivo não se efetua por extensão de células já existentes, mas, sim, por divisão celular; as primeiras células, partindo-se, dão ori­gem a novas e novas células especializadas; estas têm sua for­ma própria, suas funções diversas, constituindo assim o tecido muscular, os capilares dos nervos, das veias, a quantidade de sangue proporcional, etc.

Alexis Carrel, famoso médico, que escreveu «O homem, esse desconhecido», ilustra do seguinte modo o crescimento de um vivente:

“O organismo vivo compõe-se de células, como uma casa se compõe de tijolos. Ele nasce, porém, das suas células como se a casa nascesse de um só tijolo… Um tijolo que se pusesse a fabricar outros tijolos, utilizando a água do riacho, os sais minerais, que esta contém, e o gás da atmosfera. Esses ‘tijolos’ se uniriam entre si, formando paredes, sem esperar o projeto do arquiteto e a chegada dos pedreiros. Esses tijolos primitivos se trans­formariam, dada a ocasião, até mesmo em vidros para as janelas, em telhas para o telhado, em carvão para o aquecimento, em água para a cozinha…”

Dir-se-ia, pois, que todo gérmen vivo parece já conhecer o plano do futuro edifício a cujo conjunto ele pertence. Tal fenômeno altamente surpreendente se verifica em milhões de casos por dia e em milhões de espécies viventes; no silêncio do seio materno o embrião humano durante nove meses passa por tal evolução!

Voltemos agora a atenção para outra faceta do ser vivo o corpo e os seus órgãos vitais.

1.2. O corpo humano em geral

O corpo humano pode ser tido como a mais formidável usina do mundo. E como que uma fábrica a funcionar automa­ticamente sem que o sujeito se aperceba disto. Há nessa fábri­ca um gabinete de direção: o cérebro, donde sai um cabo – a medula espinhal. Esta constitui uma verdadeira rede telefônica, mediante a qual os nervos, ligados à central, vão até as extremidades do corpo a fim de levar ordens e, sem demora, informam o quartel general do que ocorre nos mais variados setores do organismo. São assim transmitidas ao cérebro com fidelidade as impressões de frio, calor, dureza, resistência, os sons e as imagens, os sabores e os perfumes…

O cérebro centraliza todas as atividades do organismo; põe-nas em relação umas com as outras; dirige-as. Não somente ele coloca tudo em movimento, mas também imprime e grava na biblioteca da memória tudo que a pessoa vê, ouve, toca e experimenta. Consta de um total que vai de 500 milhões a um bilhão de células; estas são pequenas pilhas elétricas e aparelhos telegráficos que asseguram as ordens (comandos) e ligações ocorrentes no corpo humano. A emissora radiofô­nica mais complicada ou a central telefônica mais moderna que se conheça até hoje, ainda parece um brinquedo de criança em comparação do cérebro, cuja riqueza de funções nada pôde jamais igualar até hoje.

As notícias do mundo que cerca o homem, são captadas por dois aparelhos receptores: os olhos (aparelhos fotográficos) e os ouvidos.

No organismo também existem alguns laboratórios de quí­mica: o paladar, o olfato e… o estômago. – O estômago é uma usina genial de química, que produz entre doze e quatorze substâncias complexas, cada qual no lugar e no momento oportunos, a fim de transformar os diversos alimentos (carne, pão, legu­mes, leite, vinho… ) , alimentos que, mediante a digestão, se tornam aptos para constituir carne, ossos, cabelos, dentes, unhas… Um sábio capaz de obter a produção química do estômago seria genial e mereceria a reverência da humanidade inteira. Cinco milhões de pequenas células trabalham no estô­mago, à guisa de usinas, para produzir os respectivos sucos digestivos; quarenta milhões, nos intestinos; mais de trezentos cinqüenta milhões, no fígado!

Os órgãos da digestão exercem as funções de aquecimento central, mantendo a temperatura constante de 37º em todo o corpo. Essa caldeira é alimentada por uma máquina de moa­gem: os dentes e a língua, que fazem as vezes de serralheira, moinho e amassadouro simultaneamente. Os rins são filtros; os pulmões e os poros, a bexiga e os intestinos equiparam-se a órgãos de limpeza e escoamento.

Além do mais, o organismo tem seus serviços de cons­trução, onde sábios engenheiros edificam com árduo labor, segundo planos complexos, a ossatura geral, que é o arcabouço do corpo humano… Nenhum mecanismo de ponte móvel pode rivalizar com o do esqueleto, cujos músculos se assemelham a correias motrizes capazes de se esticar e encolher à vontade.

Em particular, merece consideração

1. 3. O olho humano

O olho é comparável a esmerado aparelho de televisão que transmite ao cérebro as fotografias por ele captadas.

Os estudiosos chamam a atenção, primeiramente, para o respectivo sistema de ótica. Observe-se aí uma lente biconvexa, chamada cristalino, que consta de dezenas de bilhões de célu­las minúsculas contidas em menos de 1 cm²; colocada no humor vítreo do olho, recebe os raios luminosos provenientes de fora, concentra-os em um feixe cerrado e os transmite a uma «placa sensível» ou uma «tela» que é a retina. O cristalino é suscetí­vel de adaptar a sua curvatura a todas as distâncias a partir de 20 cm, sendo a regularização feita instantaneamente por contração e dilatação automáticas, de acordo com a distância do objeto a ser percebido… A lente do cristalino tem seu dia­fragma elástico, que é a íris (parte colorida do olho); tal dia­fragma se contrai ou dilata automaticamente segundo a maior ou menor luminosidade do objeto … Ainda se deve mencionar o obturador de duas cortinas – as pálpebras – que defende o cristalino contra a poeira e os elementos agressores externos; tal obturador é comandado por reflexos cuja eficácia nada dei­xa a desejar frente aos obturadores artificiais. Como defesa do olho, é preciso citar também os cílios e as sobrancelhas. Além do mais, o globo ocular é constantemente irrigado e lavado por lubrificantes e detergentes que procedem de reservatórios sem­pre cheios – as glândulas lacrimais.

A retina é a película sensível do aparelho fotográfico hu­mano. Apresenta forma hemisférica; as suas três camadas de células terminam em um milhão de fibras que se prolongam

para formar o nervo ótico. A retina é maravilhosamente dota­da de cones e bastonetes que exercem funções diferentes para possibilitar a percepção de figuras, cores e movimentos em ambientes de intensidade luminosa diferente.

Para que se produza a visão, requer-se que extraordinária multidão de elementos funcione em sintonia perfeita uns com os outros e com as respectivas situações. Em outras palavras: cerca de 115 milhões de bastonetes e 6,5 milhões de cones devem concatenar-se para a obtenção do ato visual.

Os estudiosos chamam a atenção também para o fato de que a retina é única e incansável, sempre pronta ao serviço. As impressões nela recebidas se apagam e instantaneamente a re­tina volta a sensibilizar-se – o que ultrapassa longe a perfei­ção das câmaras mais modernas, que é preciso prover de quilômetros de fita; na retina tudo aparece e desaparece com rapi­dez desconcertante, sem processo de revelação; as imagens aí produzidas são sempre coloridas, atingindo centenas e cente­nas de tons. A retina tem a capacidade de captar dez clichês diferentes por segundo, restaurando-se logo após cada percep­ção de imagem. É de precisão tal que num milímetro quadrado da retina trinta mil pontos luminosos podem ser recebidos isoladamente. Mais ainda: esse minúsculo aparelho natural – que cabe em uma mão fechada – aumenta automaticamente os objetos, de modo que as imagens podem ser percebidas em suas verdadeiras dimensões.

A existência de dois olhos permite ao homem perceber o relevo dos objetos que lhe ocorrem.

O olho está em comunicação também com um fichário de imagens já percebidas – fichário que se chama a memória sen­sitiva. Esta pode ser comparada a uma biblioteca dotada de milhões de prateleiras, biblioteca que pode fornecer todas as imagens registradas nos bilhões de células do cérebro durante os anos de vida do sujeito. Como se encontram todas ai? ! … O fato é que, fechando os olhos, o sujeito pode rever espetáculos já vistos; enorme série de impressões já recebidas pode reviver; desfilam na mente do indivíduo, ora causando-lhe profunda sa­tisfação, ora provocando horrorosos pesadelos.

Por último, é de observar que todas as partes do corpo são sensíveis ao frio; pés, mãos, orelhas podem gelar… Os olhos, não! Nunca se sente frio nos olhos, … embora haja pes­soas de «olhar frio». Felizmente as coisas são tais, pois, ao passo que o homem pode cobrir mãos, pés e orelhas sem deixar de andar, trabalhar ou ouvir, ser-lhe-ia impossível caminhar para qualquer lado e orientar-se devidamente se tivesse de tapar os olhos contra o frio… Para que as diferenças de tem­peratura não perturbem a visão, um genuíno fogareiro (a corói­de) mantém temperatura constante, necessária ao olho por causa da extrema delicadeza dos seus respectivos instrumentos de precisão.

Passemos agora a

1.4. O coração humano

O coração pode ser comparado a uma bomba de quatro cilindros, bomba aspirante e premente. Trabalha dia e noite sem parar. O êmbolo dessa bomba reproduz o seu movimento cerca de 100.000 vezes por dia, fazendo assim que o sangue circule pelo organismo inteiro dentro de treze segundos. O coração está de tal modo organizado que repousa entre cada batida, perfazendo destarte doze horas de trabalho e doze horas de repouso.

Cada célula dos 800 bilhões de células que compõem o corpo humano, capta do sangue o alimento que lhe convém, deixando o restante às células vizinhas sem jamais se enganar… Todo esse processo ocorre de maneira tão suave que a pessoa é advertida de tal trabalho apenas por modestas pulsações.

A «central» do coração realiza todos os dias uma tarefa extraordinária, fazendo que o sangue percorra milhares de vezes por dia o organismo inteiro. Para tanto, o coração tem que desprender um potencial que as cientistas avaliam em 87.000 quilogrâmetros de trabalho diário (tal é o potencial necessário para se levantar 87.000 kg à altura de um metro).

Verifica-se que o coração produz esse esforço todos os dias da vida da pessoa, durante 60, 80 ou até 100 anos. Destarte faz circular os 25 bilhões de glóbulos vermelhos do sangue, que leva o oxigênio aos ossos, à pele, aos músculos, aos nervos, às glândulas, e traz de volta as matérias desnecessárias, como a água e o carbono. Tal material é expelido ou pelos filtros dos rins e do fígado ou pelos pulmões. Nos dois milhões de vesí­culas dos pulmões que, postas ao lado umas das outras, cobririam uma superfície de 200 metros quadrados, os glóbulos vermelhos entram em contato com o ar. Bastam alguns déci­mos de segundo para se descarregarem do ácido carbônico e armazenarem de novo a devida dose de oxigênio. Em 24 horas, dez mil litros de sangue passam pelos pulmões para serem aí purificados e regenerados.

Merece especial menção também

1.5. O ouvido humano

O ouvido começa por um funil aperfeiçoado que se destina a recolher os sons, funil dotado de almofadas de carne que melhor captam a direção dos sons, … dotado também de cílios e cera que detêm os insetos e a poeira que poderiam falsear a audição. No fundo do funil, encontra-se a fina pele do tímpano, que vibra como um tambor.

As vibrações do tímpano são transmitidas por uma série de ossinhos que amplificam o som, até um órgão pequenino chamado caracol. Este possui uma membrana dotada de pro­digiosa harpa de 6.000 cordas. Destas, a menor tem o compri­mento de apenas um vigésimo de milímetro; a que se destina a captar o som mais grave, meio-milímetro. Tais cordas estão ligadas a 6.000 nervos pequeninos, que desembocam num cen­tro comum e estão todas em perfeita tensão, tão afinadas e sensíveis que podem perceber todas as notas das doze espécies de tons que o homem é capaz de ouvir.

Os dados até aqui catalogados sugerem importantes reflexões.

2. Refletindo sobre a natureza

1. Os cientistas observam que a vida tem seu segredo. Este segredo não consiste apenas na complexidade das células vivas (que é realmente admirável), mas – e principalmente – no inter-relacionamento que existe entre tais células. Com outras palavras: numa função vital, há relações múltiplas, dispostas em diversos planos subordinados uns aos outros; um conjunto de funções particulares e bem diferentes umas das outras, mas concatenadas sabiamente entre si, se exerce em vista de um resultado global.

É o que se dá muito claramente, por exemplo, na função visual: a luminosidade, o colorido, o relevo, a profundidade e a distancia, o equilíbrio da imagem condicionam as funções particulares dos elementos constitutivos do olho, para que este perceba finalmente o seu objeto.

Assim o olho (para só falarmos deste órgão) equivale a uma multiplicidade de elementos sabiamente relacionados entre si a fim de obter um objetivo único: o ato visual. Conscientes disto, os pensadores, não somente outrora, mas ainda hoje, são levados a admitir uma inteligência superior que tenha con­cebido cada um dos numerosos elementos que compõem o olho humano, assim como o complexo relacionamento de tais ele­mentos entre si e com o psiquismo do respectivo sujeito. Essa inteligência é criadora, pois ela atinge o íntimo dos elementos correlacionados entre si para constituírem o olho. A tal inte­ligência suprema que planeja e cria, dá-se classicamente o nome de DEUS. Este é o Ser Absoluto, que imprime o vestígio de sua inteligência e de seu poder em todo ser relativo.

Considerem-se os bilhões de pares de olhos de todo tipo que já nasceram e ainda nascem… Considerem-se também os órgãos e organismos múltiplos que enchem a história dos sécu­los. Esse imenso conjunto de seres maravilhosos denuncia eloqüentemente a existência de uma inteligência que os tenha concebido e criado.

2. Para corroborar tal afirmação, seja aqui recordado um sábio axioma de cientistas e filósofos: «A matéria não inventa». Com outras palavras: note-se que forças maravilho­sas estão latentes na matéria; nesta há riquezas de energia que as invenções modernas paulatinamente trazem à tona (tenham-se em vista a desintegração do átomo, as deflagrações de gases, a fusão de elementos sólidos… ). Contudo essas riquezas da matéria não sabem explicar ou desdobrar a si mes­mas; os elementos materiais são incapazes de libertar de maneira inteligente e útil as suas energias; elas esperam que a inteligência do homem as explore e desdobre. Note-se mais ainda: o homem descobre aos poucos os tesouros de energia da matéria e os princípios que os regem; tal descoberta é mesmo sujeita a erros, pois na verdade o homem não é o autor da matéria e de suas leis. – Este fato exige que acima da inteligência humana exista uma Inteligência Suprema, que tenha concebido e criado o universo, em seu conjunto em cada um de seus elementos. Essa Inteligência Suprema fez as criaturas inteligíveis, isto é, ordenadas, harmoniosas, de tal sorte que o homem, aplicando-se ao estudo do mundo material, pode depreender ordem e harmonia, ou seja, os vestígios da Inteligência que deu origem a todas as criaturas.

Aliás, a possibilidade de se cultivar a ciência (que os homens geralmente admitem) se baseia no pressuposto de que a natureza é inteligível[1[;é, sim, o produto de uma Inteligência, com a qual o homem está em sintonia e com a qual ele se encontra mediante as criaturas que o cercam. Tal Inteligência é muito superior à do homem… A própria inteligência do homem e o cérebro que ela utiliza, não são invenções do homem, mas já lhe são dados quando nasce. Há, pois, uma inteligência que concebe e cria o homem inteligente.

Certa vez, estando um árabe em oração, passou-lhe por perto um europeu, que se admirou por vê-lo em tal atitude e lhe perguntou: «Por que acreditas que Deus existe?» Ao que respondeu ao árabe: «Quando olho para as areias do Saara, sou capaz de dizer, pelos vestígios deixados, se foi um homem ou um leão que por ali passou». – Tem-se dito, paralelamente, que Deus deixou as suas impressões digitais na criatura humana e no universo inteiro: o detetive perito aí O descobre sem hesitação. Notem-se as seguintes palavras de Einstein:

“O homem que estabelece os princípios de determinada teoria, supõe no mundo uma ordem de elevado grau. Esta convicção se confirma mais e mais com o desenvolvimento dos nossos conhecimentos. Aqui está o ponto fraco dos positivistas e ateus profissionais que se sentem felizes porque têm consciência não só de ter, com pleno êxito, privado o mundo de deuses, mas também de o ter despojado de milagres” (citado por J. Javaux, em “Prouver Dieu?’. Desciée 1967, p. 172).

3. A conclusão proposta nesta exposição é explanada de maneira sintética e simples por P. Thivollier na seguinte passagem:

“O corpo do animal ou do homem é maravilhosa máquina, onde enor­mes quantidades de mecanismos se encadeiam e coordenam.

Há um plano, uma idéia que penetra, que modela a matéria e a sub­mete: é um ser vivo que quer viver, desenvolver-se, reproduzir-se.

No animal, há mais alguma coisa do que o simples aglomerado de bilhões de células. Em vão os sábios pesquisam as células vivas, estudam os núcleos, o protoplasma com as suas miríades de micelas que constituem os cromossomas…; eles nunca encontram a idéia que preside à constitui­ção do indivíduo. Como não se encontra também, no estudo das poeiras a que foram reduzidas as pedras de uma catedral, o plano desse mesmo edifício.

Um ser vivo não se explica pelo encontro das forças materiais aban­donadas a si mesmas, porque tudo se acha aí unido e hierarquizado para um fim. Nada trabalha isoladamente…, é o animal inteiro que tem fome, que salta, que caça, que sofre; e as suas glândulas sexuais não são feitas para produzir outras glândulas, mas, sim, para reproduzir um organismo total…, outro animal idêntico.

A vida segue um plano traçado, obedece a uma idéia diretriz; tudo está determinado e calculado. É admirável como há órgãos que se formam e cuja utilidade só mais tarde aparece. No embrião não há qualquer impressão sensível da vista, do olfato, do ouvido e – coisa maravilhosa! – os olhos, o nariz e os ouvidos desenvolvem-se. Há um imperativo que a vida executa.

É, por conseguinte, uma idéia que modela a matéria, e uma idéia é uma prova de inteligência.

Ora não foi o homem nem foi o animal que inventaram os mecanismos dos seus corpos. Todos os seres vivos, sejam quais forem, encontram já os mecanismos dos seus corpos, ao virem ao mundo.

É por isto que se faz necessário chegar a uma Causa Primeira e Inte­ligente. Nós a chamamos Deus” (“Deus existe? … Resposta do universo”. Lisboa 1957, p. 104x).

4.O reconhecimento da existência de Deus através das maravilhas do organismo humano está registrado em obras de filósofos e pensadores de todos os tempos. Assim, por exemplo, já se exprimia Sócrates (séc. V a. C.) em famoso diálogo:

“Não te parece que se pode reconhecer um ato de providencia no fato de que a vista, que é um órgão fraco, seja munida de pálpebras? Estas são como que portas que se abrem quando precisamos de olhar, e que se fecham durante o sono. Observa também os cílios fixados como um crivo nessas pálpebras, para que os ventos não prejudiquem os olhos…” Depois de desenvolver o tema, considerando até os céus estrelados, pergunta Só­crates: “Julgas que essa ordem admirável seja a obra de uma entidade vaga, incapaz de reflexão?” (Xenofonte, “Memórias” I. I, c. IV, 4 § 5s).

Anaximandro, Xenófanes, Anaxágoras, por sua vez, desen­volveram semelhante raciocínio, nos séculos VI/V a. C.

Nos tempos do racionalismo francês, Voltaire ( 1778), observando o ser humano e o universo, escrevia:

“Quanto mais no caso penso, não posso supor que este relógio exista e não tenha um autor… Naquela noite, sentia-me propenso à meditação, absorvido na contemplação da natureza. Admirava a imensidão, a ordem das esferas infinitas. Admirava ainda mais a inteligência que preside ao regu­lamento dessas massas. Dizia comigo mesmo: ‘É preciso ser completamente cego para não ficar fascinado com tal espetáculo,… estúpido para não reconhecer o seu autor,… louco para não o adorar’ “.

Todavia eis que surge

3. Uma objeção

Não se poderia incorrer ao acaso para explicar os fenô­menos do universo?

Por «acaso» entender-se-ia a ausência de leis e de ordens previstas por uma inteligência. Imagine-se, por exemplo, um dedal em que haja bilhões e bilhões de átomos: girariam e agitar-se-iam sem lei nem regra, em total anarquia. Sabe-se também que os glóbulosvermelhos, aos milhões, circulam ao acaso nos vasos sangüíneos. Por conseguinte, não se pode crer que o mundo atual seja uma combinação, entre as inúmeras combinações possíveis, que podiam casualmente proceder do caos inicial? A nebulosa primitiva podia permanecer no caos perene … Todavia a agitação cega de seus elementos deu ori­gem ao nosso universo.

– Em resposta, pode-se observar o seguinte:

O acaso é o cruzamento contingente, isto é, não necessá­rio, nem previsto, de duas causas independentes uma da outra, das, quais cada uma age em vista de um fim determinado. Assim. por exemplo, dois amigos se encontram por acaso numa cidade para onde cada um, sem saber do outro, fora a negó­cios. Vê-se, pois, que o acaso supõe sempre duas ou mais causas que agem com ordem e finalidade. Os fenômenos ditos casuais só são casuais para quem ignora as causas que os produziram: por isto o acaso propriamente não existe como sujeito real.

De resto, a reflexão e o bom senso recusam a hipótese de que este mundo tenha sido produzido por acaso.

Com efeito, imagine-se que alguém coloque em uma sacola os tipos de imprensa que se empregam na composição de um jornal; agite o todo na esperança de que tais tipos se disporão entre si de modo a dar o texto da edição do jornal do dia seguinte. Tal esperança, embora não fosse absurda por com­pleto, seria tão improvável que deveria ser tida como irrisória.

 

Considere-se a vida. A proteína é o elemento básico de todos os organismos vivos. Para facilitar os cálculos, admita-se que uma molécula de proteína tenha 2.000 átomos, de duas espécies apenas, com peso molecular 20.000 e 0,9 de assimetria (a realidade é muito mais complexa). A probabilidade de se formar por acaso uma molécula de proteína seria de 2,02 x 10-321,ou seja, um número decimal com 320 zeros depois da vírgula (0,000 … 202). Supondo-se um total de 500 trilhões de lances por segundo num volume de matéria igual ao do globo terrestre, o tempo necessário para se obter uma molécula de proteína, segundo o cálculo das probabilidades, seria de 10243 bilhões de anos. Ora a idade da terra, a partir do seu resfria­mento, não passa de 2 x 109 anos, ou seja, dois bilhões de anos apenas.

Admita-se, porém, que a molécula de proteína foi a que se formou por acaso em primeiro lugar, sem esperar tantos bilhões de séculos. Admita-se até que a mesma combinação se efetuou duas vezes consecutivas. Crer, porém, que se tenha dado ainda outra vez equivale a crer num milagre. Mais: admitir que em tempo extremamente curto o mesmo fenômeno se tenha dado bilhões de vezes eqüivale a negar a aplicação do cálculo das probabilidades a esse problema.

É preciso observar outrossim que, para formar uma célula viva, são necessários milhares de moléculas. Num ser vivo há bilhões de células; e a paleontologia ensina que bilhões de seres vivos apareceram sobre a terra num período de tempo extre­mamente curto. É impossível, portanto, apelar para o cálculo das probabilidades a fim de explicar pelo puro acaso a existência da vida sobre a terra.

Por isto, dizia Voltaire (1778), não sem sarcasmo: «Encham um saco de pó; lancem-no numa pipa. Agitem com força durante muito tempo, e hão de ver sair lá de dentro quadros, violinos, jarras de flores e coelhos!»

Vítor Hugo ( 1885), o grande poeta francês, definia o acaso como «um prato feito pelos espertalhões para que o comam os tolos».

Muito diverso é o depoimento de Einstein, que servirá de conclusão às considerações destas páginas:

“Uma profunda fé na racionalidade do edifício do mundo e um ardente desejo de apreender o reflexo da razão revelada neste mundo deviam animar Keppler e Newton no seu longo e solitário estudo … Somente quem consagrou a sua vida a objetivos análogos, pode ter noção clara do que sustentaram esses homens; eles tiveram força para, entre mil insucessos, permanecer com os olhos fixos no objetivo que haviam esco­lhido… Um contemporâneo disse, e não sem razão, que, em nossa época tão imbuída de materialismo, os verdadeiros sá­bios são apenas aqueles que são profundamente religiosos… O sábio é penetrado do senso de causalidade dos aconteci­mentos … A sua religiosidade consiste na atônita surpresa diante da harmonia das leis da natureza, na qual aparece uma razão tão superior que, em comparação com ela, as mais engenhosas formas do pensamento humano, com as suas dire­trizes, parecem apenas um pálido reflexo … Não há dúvida, tal sentimento é bastante semelhante ao que, em todos os tempos, animou as produções dos grandes espíritos religiosos” (“Comment je vois le monde”. Ed. Flammarion, p. 21, citado por P. Dentin [ver bibliografia] ficha 3).

AO AMIGO QUE JULGA NÃO TER AINDA ENCONTRADO A DEUS, MAS DESEJA ENCONTRA-LO, COMO EINSTEIN E TANTOS SABIOS, RESTA DIZER, COMO MUITOS INCRÉDU­LOS DISSERAM:

“CASO DEUS EXISTA, DÊ-SE A CONHECER A MIM!

QUE DEUS REFULJA AOS OLHOS DA MINHA INTELI­GÊNCIA E DO MEU CORAÇÃO!”

A guisa de sumária bibliografia, podemos indicar:

P. Cerruti. “A caminho da Verdade Suprema”. Rio de Janeiro 1954.

Marcozzi, Brezzi, Cimino, Dezza…, “Há lugar para Deus na ciência moderna?”. São Paulo 1971.

C. Fabro, “Deus”. São Paulo 1967.

J. Javaux. “Prouver Dieu ?”. Desclée 1967.

P. Thivollier, “Deus existe? Resposta do homem”. Coleção “Falar claro” n.º 3. Lisboa 1957.

Idem, “Deus existe? Resposta do universo”. Coleção “Falar claro” n.º 2. Lisboa 1957.

P. Dentin, “L’Uomo e Dio”, Coleção “Cerchiamo insieme”, 4ª serie.

“Fetes et Saisons”, n° 72, novembro 1952, “Dieu existe”.

PR 141/1971, pp. 386-399 (comentário do livro de J. Monod: “O acaso

e a necessidade”).

C. Tresmontant, “Comment se pose aujourd’hui le problème de l’exis­tence de Dieu”. Paris 1966.

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NOTA:

[1] Para ilustrar esta afirmação, podemos lembrar, por exemplo, que o astrônomo Le Verrier, no século passado, notou uma anomalia no curso do planeta Urano. Procurou então explicá-la iniciando cálculos matemáticos que se baseavam na regularidade da marcha dos astros e chegou à conclusão de que existia um planeta desconhecido a influenciar a marcha de Urano. Em conseqüência, os telescópios dos Observatórios foram dirigidos para a porção do céu indicada por Le Verrier, e finalmente deram a ver um novo planeta, até então ignorado, ao qual foi dado o nome de Netuno.