(Revista Pergunte e responderemos, PR 099/1968)
«‘Um Deus diferente’! Não tem razão John Robinson ao propor uma total mudança nos nossos conceitos religiosos?
Que dizer do famoso livro desse autor?»
O livro «Um Deus diferente» (Honest to God) de Robinson tem obtido grande sucesso, pois procura tornar o Cristianismo mais condizente com a mentalidade de nossos tempos.
Vamos, pois, considerar o conteúdo dessa obra nas páginas que se seguem, a fim de proferir um juízo sobre o assunto.
1. O autor e seu livro
John Robinson é o bispo anglicano de Woolwich nos arredores de Londres. Impressionado pelas dificuldades que o homem moderno experimenta para apreender a mensagem cristã, resolveu propor uma reformulação radical das grandes verdades do Cristianismo, inspirando-se nas escolas do pensamento contemporâneo, principalmente nos três autores protestantes liberais Tillich, Bonhoeffer e Bultmann. Daí o livro «Honest to God» (Honesto para com Deus), em tradução portuguesa «Um Deus diferente».
Robinson tinha consciência de ser fortemente revolucionário. L. Salleron, ao traduzir a obra para o francês, chegou a dar-lhe o titulo «Dieu sans Dieu» (Deus sem Deus). O autor anglicano, logo no capítulo I do seu livro, confessou que lhe custou empreender tal remodelação dos conceitos religiosos («revolução a contra-gosto»); todavia o seu senso de honestidade para com Deus o impeliu a tanto. Após escrever o livro, confirmou-o nos seguintes termos:
«O que procurei dizer, numa tentativa de explorar a verdade, pode parecer radical e revolucionário, e até herético para muitos, com certeza. A única coisa de que não duvido agora, numa visão retrospectiva, é que, se cometi algum erro, foi o de não ter sido suficientemente radical» (pág. 10).
Examinemos sucintamente as principais teses de Robinson:
1) O conceito de Deus
O autor julga que a clássica maneira de conceber Deus e falar d’Ele é muito dependente de concepções pré-científicas e semi-lendárias dos povos antigos. – Insurge-se, por exemplo, contra a maneira de designar o Supremo Senhor como um Ser que está «lá em cima» ou «no Além» ou «lá fora, pois tais expressões supõem uma mundivisão ou conceitos de cosmologia ultrapassados em nossos dias.
Como então exprimir a noção de Deus para o homem moderno?
Robinson recorre a uma imagem muito usual na psicanálise moderna: «a profundidade…»; em conseqüência, afirma que Deus é a profundidade ou a base do nosso ser:
«O nome desta infinita e inexaurível profundidade e base de todo o ser é Deus. Essa profundidade é o que significa a palavra Deus. E, se essa palavra não tem grande sentido para ti, traduza-a, e fala das profundidades; da tua vida, da fonte do teu ser, da tua máxima preocupação, daquilo que tomas a sério sem qualquer reserva. Talvez, para conseguir isso, devas esquecer tudo quanto de tradicional aprendeste acerca de Deus, talvez mesmo a própria palavra. Saberás muita coisa a respeito de Deus, se souberes que Deus significa profundidade. E nesse caso não te podes chamar ateu ou descrente, porque não podes dizer ou pensar: ‘A vida não tem profundidade. A vida é superficial. O próprio ser não passa de algo à superfície’. Se pudesses afirmar isto com toda a seriedade, então serias ateu; de contrário, não o és. Quem conhece a profundidade, conhece a Deus» (pág. 25, citação de um escrito de Tillich).
E como encontrar Deus, Deus que não está nem «no alto» nem no «além»?
Robinson julga que é no próximo que por excelência encontramos a Deus: «O Tu eterno não se descobre senão no Tu finito, com ele e sob ele,… no encontro com outras pessoas … » (pág. 66). Deus é também a profundidade e o último sentido das relações do homem com o homem.
Quem ama o próximo, conhece a Deus, que é Amor, observa Robinson, apelando para dizeres do Apóstolo São João (1 Jo 4,8). O autor anglicano muito insiste nesta afirmação, pois ela mostra como se pode ter um conhecimento não religioso» de Deus (Robinson deseja chegar a uma «Religião sem Religião», Religião destituída de qualquer gesto propriamente sagrado). É no trato com os semelhantes que cada homem vive a Religião; a salvação eterna não depende de algo que seja especificamente religioso (oração, culto de Deus, liturgia…) . As preocupações caracteristicamente seculares com a alimentação, o abastecimento de água, as habitações, os hospitais, as cadeias são as que nos fazem encontrar a Deus. Robinson julga que tal é a lição transmitida pelos profetas do Antigo Testamento aos cristãos: «O grande serviço prestado pelos hebreus à religião é que eles a aboliram» (pág. 76). Por conseguinte, o verdadeiro contato com Deus, segundo Israel, os Profetas e… Robinson, não depende de algo que seja religioso!
Consciente disto, Robinson apregoa uma santidade «mundana», isto é, um tipo de vida ideal em que o homem procura servir ao homem, abraçando um Cristianismo «secularizado». A vida santa é a vida do homem (voltado) para os outros. O autor preconiza também uma oração «não religiosa», oração que é simplesmente a dedicação de cada um aos seus semelhantes; nessa oração o Tu ao qual nos dirigimos, é o Tu do próximo. Com ênfase, Robinson impugna o conceito de oração que implique em silêncio, recolhimento ou fuga do mundo; a prece seria, ao contrário, penetração no mundo e trabalho…
Estas considerações dão ensejo a que o pensador inglês exponha seu novo conceito a respeito de
2) Cristo
O autor anglicano pouco se importa com a Divindade de Cristo. Interessa-lhe apenas dizer que Jesus é, em grau máximo, «o homem para os outros, Aquele em quem o Amor tomou todo o, lugar. Aquele que é inteiramente aberto é unido ao Fundo do seu ser» (pág.97.
O mistério de Natal ou de Deus feito homem é totalmente inconcebível para Robinson. A encarnação do Verbo de que falam as Escrituras e a Tradição cristã, se reduz ao seguinte:
«O Amor de Deus se corporizou completamente, incondicionalmente e sem reserva, na vida de um homem – o homem para os outros e para Deus» (pág. 98). Jesus se entregou totalmente aos outros homens em amor; Ele assim manifestou claramente a Base do ser do homem – o Amor. Deixou-nos também o modelo de um homem novo, que nada tem de especificamente religioso (no sentido clássico). Cada discípulo deve procurar tornar-se «um homem para os outros» (pág. 104).
Estas premissas são o fundamento para uma
3) Nova Moral
Se Deus é Amor e Cristo é o «homem para os outros», está claro que a Moral cristã só conhece um preceito, aliás já formulado por S. Agostinho: «Ama, e faze o que quiseres».
Este mandamento geral não se traduz em normas concretas válidas para todos os homens. Os mandamentos da Lei de Deus são meras parábolas ou exemplos, que propriamente não obrigam os homens, mas apenas ilustram a maneira como se deve viver de amor. Fica a critério de cada indivíduo aplicar a lei do amor às situações precisas e sucessivas de sua vida; com toda a liberdade, decida cada homem como há de praticar o amor; apenas toca-lhe o dever de salvaguardar sempre a dignidade humana em cada uma de suas opções.
Por conseguinte, diz Robinson: «Nada pode em si mesmo ser sempre qualificado de mau. Não se pode, por exemplo, partir da posição de que as relações sexuais antes do matrimonio ou o divórcio são coisas más ou pecaminosas em si mesmas… O único mal intrínseco é a falta de amor… Se o bem-estar psicológico e espiritual tanto dos pais como dos filhos, numa dada família em particular, pode vir a ser mais assegurado pelo divórcio, nesse caso o divórcio, conquanto habitualmente seja uma solução má e trivial, é exigido pelo amor» (pág. 152).
A Moral, pois, segundo Robinson, é algo de subjetivo, dependente exclusivamente do juízo pessoal que a cada indivíduo possa parecer oportuno nas diversas situações de sua vida; nenhum ato é pecaminoso ou ilícito por si mesmo; as circunstâncias podem fazer que o mesmo ato seja louvável ou reprovável.
Assim concebe Robinson o seu novo Cristianismo, Cristianismo que, segundo ele, de um lado corresponde fielmente ao Evangelho, e, de outro lado, é capaz de merecer a atenção do homem contemporâneo, pois nada mais tem de propriamente religioso e sobrenatural; é puramente humano e secular.
Que dizer a propósito?
2. Um juízo sereno
1) Intenção louvável, realização confusa
A intenção fundamental de Robinson merece aplausos: apresentar a Religião como um valor para o homem do século XX, apelando para conceitos e expressões familiares aos nossos contemporâneos. A fé não pode ser tida como consolo para os fracos e ignorantes, mas há, de ter sua mensagem à altura das inteligências cultas. Todavia, para realizar a sua tarefa, o prelado anglicano precisava de sólida formação filosófica, elemento este que lhe faltou. Por isto «Um Deus diferente» é obra obscura e ambígua; várias de suas passagens são imprecisas e podem ser interpretadas em mais de um sentido. O autor é prolixo, acomodando-se aos diversos modos de ver de vasto público; cai em numerosas repetições; cita freqüentemente longos trechos de outros autores, o que dificulta ao leitor acompanhar o seu pensamento.
Eis como a propósito se exprime um dos críticos da obra:
«Em certos momentos, Robinson segue uma teologia meramente negativa; em outros, “ele se contradiz e admite que pelo conhecimento dos efeitos de Deus podemos chegar à realidade absoluta. Por carecer de uma boa metafísica, Robinson permanece numa nebulosa, de sorte que se pode atribuir aos seus dizeres o sentido que se queira- Aliás, não é isto que explica em parte o seu sucesso?» («Honest to Robinson», em «Evangelizar» 110 [1964] pág. 154).
2) O homem, medida de todos os valores
A obra de Robinson exprime tipicamente o pensamento moderno, que é fortemente marcado pelo antropocentrismo.
O homem, nessa escola, vem a ser considerado como o critério a partir do qual se julgam e estimam todos os outros bens. Tal tendência se faz sentir também nos setores religiosos dos últimos tempos: a Religião e os valores sagrados, Deus e a Moral, são concebidos em função do homem ou reduzidos às categorias da razão e do «bom senso» subjetivo de cada indivíduo. A Religião é assim horizontalizada, ou seja, colocada a serviço das tarefas temporais e seculares deste mundo; tudo que nela possa haver de transcendente, ou é negado ou é interpretado de modo a não perturbar a construção da «cidade dos homens». «Crente» vem a ser todo aquele que colabora eficazmente para o progresso da humanidade, ou para que reine sobre a terra o bem-estar da ciência e da técnica que permita ao gênero humano uma crescente expansão.
«O cientista soviético não crê, por certo, no Deus da Bíblia nem no Cristo histórico; mas, projetando novas luzes sobre o cosmos ou a vida, faz aumentar o poder da razão e raiar a verdade; implicitamente, diz-se que ele é cristão, pois que trabalha eficazmente em prol do homem» (Raymond Vancourt, La crise du Christianisme contemporain». Paris 1965, pág. 89).
Ora deve-se dizer que uma tal «religião», em que o homem toma o lugar de Deus para «se defender» ou para não ser «absorvido» pela idéia de um Deus maior ou infinito, em vez de ser salvaguarda da grandeza do homem, é a ruína dos conceitos de Deus e de homem. Na verdade, o homem nunca está mais seguro do que quando funda seus valores sobre a fé em um Deus transcendente e absoluto, devidamente cultuado.
São palavras do famoso teólogo contemporâneo Karl Barth:
«Onde há temor de Deus, há sempre lugar para o respeito aos valores humanos, pois então estes são submetidos ao juízo de Deus e não ao nosso juízo» («Dogmatique» t. II, pág. 92).
Com efeito. Quem teme a Deus, julga seu semelhante com os olhos do Senhor, olhos sempre benévolos, ao passo que, onde Deus não é reconhecido, o egoísmo tende a prevalecer. Quem nega a Deus, dificilmente respeita o homem; o menosprezo do primeiro leva quase inevitavelmente ao menosprezo do segundo, como parece atestar a história contemporânea.
Sem dúvida, o livro de Robinson não pretende negar a existência de Deus; muito ao contrário, intenciona apregoá-la ao homem do século XX. Todavia o «Deus diferente» do autor é destituído de todas as notas transcendentais e características do vocábulo; parece que de Deus só guarda o nome, pois na verdade ele é simplesmente identificado com o homem, com o próximo… Quem segue a nova Religião assim apregoada, cultua o homem, realiza filantropia e confina-se no mundo das criaturas, numa atitude praticamente igual à dos ateus ou racionalistas.
Em outros termos: a «Religião sem Religião», o «Deus sem Deus, a «oração não orante ou não religiosa, a teologia «não-teologia, mas mera antropologia» de Robinson nada mais têm daquilo que obviamente tais conceitos básicos significam; são expressões vazias que, sem assustar o público (pois ainda se fala de Deus), solapam toda autêntica atitude religiosa. Nessa nova Religião, a reconciliação do pecador com Deus se reduziria ao que modernamente se chama a «extinção das alienações»; o Corpo Místico de Cristo designaria a solidariedade humana; as Escrituras Sagradas seriam abecedários ou humildes manuais dos quais os homens se serviram para adquirir a sua primeira formação, abecedários, porém, que agora devem ser rejeitados, pois a fé tem de ceder o lugar a uma interpretação racional do mundo. Todavia, mesmo no século XX, não se pode deixar de proclamar destemidamente: «Religião que não implique, antes do mais, em relações do homem com Deus, simplesmente já não é Religião».
3) Deus pessoal ou Deus diferente?
As proposições do autor anglicano revestem-se, por vezes, de tanta ambigüidade que podem ser interpretadas em sentido panteísta, ou seja, em sentido de um Deus indistinto do mundo e do homem. Tenha-se em vista a seguinte passagem:
«Acreditar em Deus é confiar, com uma confiança quase insustentável, em que, dando-nos totalmente em amor, não seremos confundidos, mas `aceites’, que o Amor é a base do nosso ser, à qual no fim `voltamos para casa’.
Se isto é verdade, então as afirmações teológicas não vêm a ser uma descrição do `Ser Supremo’, mas uma análise das profundidades das relações pessoais – ou, antes, uma análise das profundidades de toda a experiência interpretada pelo amor. A teologia, afirma Tillich com insistência, trata daquilo que em última análise nos diz respeito. Uma afirmação é teológica, não porque se refere a um ser particular, chamado Deus, mas porque levanta problemas últimos acerca do sentido da existência: interroga-se sobre o que é, ao nível do theós, ao nível do seu mistério mais profundo, a realidade e o significado da nossa vida» (pág. 605).
Inegavelmente esta passagem é obscura. Em suma, ela se volta contra a idéia de um Deus pessoal. Robinson rejeita esta noção, porque julga que reduz Deus à categoria de um «Homem Grande».
Na verdade, pessoa é o ser dotado de inteligência (faculdade de conhecer o ser como tal) e vontade (faculdade de amar o bem como tal). Ora inteligência e vontade são perfeições que não envolvem em seu conceito imperfeição alguma; por isto elas podem e devem existir em Deus. Deus, portanto, é personalidade. – Todavia note-se que Ele não é pessoa como o homem é pessoa, pois a criatura é sempre finita em suas perfeições, ao passo que o Criador é infinitamente perfeito. A propósito cf. «P.R.» 90/1967, qu. 1.
Vê-se, pois, que, usando de filosofia simples, se pode (e deve) admitir um Deus pessoal. Para pensar corretamente, não é preciso remover esta noção e cair na idéia de um Deus identificado com a natureza que nos cerca e com os homens (panteísmo). Ao contrário, o panteísmo é que constitui uma aberração, pois, em última análise, admite que haja transição do finito para o Infinito, do contingente para o Absoluto; cf. «P.R. 7/1957, qu. 1.
Robinson recusa também um Deus sobrenatural, como se fosse um ser colocado «lá no alto» (cf. pág. 34). Todavia o adjetivo «sobrenatural» não tem de modo algum sentido geográfico; significa apenas um ser cuja natureza é mais perfeita que a de outro ser. Ora Deus é por definição infinitamente mais perfeito do que os outros seres; por isto é Ele necessariamente sobrenatural em relação ao homem e às demais criaturas.
De resto, Robinson parece pouco coerente. Com efeito, recusa (e com razão) as imagens de um Deus «lá em cima» ou mo além; todavia, em lugar dessas figuras, propõe um Deus «na profundidade» ou «na base» do nosso ser. Substitui metáfora por metáfora [1]… Na verdade, Deus está presente em toda parte; todavia Ele não se estende, Ele não consta de partes ao lado de partes.
O autor rejeita outrossim a idéia de um Cristianismo religioso, preconizando em lugar deste um Cristianismo não-religioso ou secularizado, mundano. Com estas expressões entende ele um Cristianismo cuja mensagem responda às aspirações espontâneas do cidadão moderno. – Em resposta, dir-se-á que o Cristianismo não precisa de mudar sua essência para ser o que Robinson apregoa; ele é, sim, essencialmente a Boa-Nova para todos os homens de qualquer civilização e época,… Boa-Nova capaz de atingir o fundo tanto de um operário como de um estudante, um cientista, um político ou um selvagem. «A alma humana é naturalmente cristã, já dizia Tertuliano ao mundo romano pagão no século III.
Compete, pois, aos arautos da Boa-Nova ou a todo cristão exprimir a sua fé em linguagem clara e acessível ao homem que vive nas oficinas, nas fábricas, nas escolas e nas naves supersônicas do século XX. Evite, na medida do possível, os antropomorfismos grosseiros, ao falar de Deus.
– Todavia o Cristianismo nunca será vivo e interessante para o homem moderno se não for, também e em primeiro lugar, profundamente religioso; o que quer dizer:… se o cristão não for prenhe de valores invisíveis e sobrenaturais, como sejam espírito de oração (o contato íntimo com Deus no silêncio e no recolhimento), a capacidade de renunciar a si ou de mortificar «o velho homem» … Se o discípulo de Cristo menosprezar tais valores, que são estritamente religiosos, perderá o seu genuíno sabor ou a sua capacidade de contribuir para a construção de um mundo novo. O cristão será sempre eficaz na medida em que estiver unido a Deus no plano da oração e dos sacramentos, ao passo que será caricatura desde que abandone tais canais de vida sobrenatural.
4) «O homem para os outros»
Robinson quer cancelar a clássica sentença teológica segundo a qual há em Cristo «uma pessoa (divina) e duas naturezas (divina e humana)».
Seriam imagens inadequadas?
– Por certo, não; após duros embates teológicos e filosóficos chegaram os doutores cristãos a esta formulação no séc. V. Recusando-a, Robinson propõe Cristo como «o homem voltado para os outros homens». Esta expressão, além de não afirmar a Divindade de Cristo (sem a qual o Cristianismo rui por completo), não leva em conta o seguinte: Cristo, como homem, foi, sim, extremamente dedicado aos homens, seus irmãos; todavia só o foi porque, antes de mais, quis ser o «Servo de Javé» ou o fiel ministro do Pai celeste; basta ler o Evangelho de São João para se perceber que Jesus estava todo voltado para o Pai que O enviara (cf. Jo 4,34; 5, 19-24. 36-38. 43; 6, 27. 39; …17, 4). De modo análogo, o cristão só poderá ser um «homem para os outros» na medida em que for primeiramente um «homem para Deus»; é da plenitude da sua união com Deus que o cristão tira a força sobrenatural para atuar entre os homens seus irmãos.
Caso, porém, Robinson julgue que deve abandonar as Escrituras Sagradas, abandone lealmente o próprio Cristianismo.
5) Moral da situação
Compreende-se que Robinson não admita princípios éticos dotados de valor perene. Para ele, o homem é o único valor indiscutível; é, por conseguinte, ao homem que toca «fazer» as normas da Moral em cada uma de suas situações.
Não são necessárias longas considerações para evidenciar quanto é falha esta posição. Na verdade, o homem é essencialmente contingente e relativo; não tem em si mesmo a sua razão de ser nem, por conseguinte, as normas de seu comportamento. O homem só se realiza ultrapassando a si mesmo ou entregando-se ao Bem Infinito, Deus; em conseqüência, as grandes linhas de sua conduta, ele as recebe de Deus; a sua Moral é teônoma e não autônoma. É nisto justamente que está a grandeza do homem: é chamado a viver segundo um Princípio maior do que ele mesmo, ou seja, segundo Deus. «Servir a Deus é reinar», diz a clássica fórmula cristã.
Estas considerações a respeito do livro «Um Deus diferente» são, sem dúvida, severas. É preciso, de um lado, reconhecer e louvar as boas intenções de Robinson: o Cristianismo deve falar ao homem do séc. XX. Mas, de outro lado, faz-se mister dizer que o autor de modo nenhum foi honesto para com Deus e Cristo, pois ele fez do Cristianismo um serviço do homem ao homem, esquecendo-se de que nem ao homem pode alguém servir quando não serve a Deus!…
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NOTA:
[1] «Esta imagem (‘um Deus nas profundidades’) é inspirada pela psicanálise freudiana; este conformismo fará que em breve ela venha a ser superada. Onde iremos parar se nosso conceito de Deus se deve modificar segundo cada progresso da ciência?» (da revista
«Evangéliser» n° 110 pág. 155).