Sentido da vida: um sentido para a vida

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 333/1990)

por Viktor Frankl

Em síntese: Viktor Frankl afirma que a necessidade fundamental do ser humano é a de conhecer o sentido ou o porquê e para quê de sua existência. Quem descobre isto, é capaz de sentir-se feliz e auto-realizado, mesmo na penúria de bens materiais ou até mesmo… no cárcere. Assim Frankl afir­ma o primado dos valores morais sobre os bens materiais. Em última análise, o sentido da vida humana se deduz de Deus, o Bem Supremo, para o qual o homem foi feito. V. Frankl, porém, é sóbrio em relação a Deus, que ele admite possa ser o íntimo mesmo (self) do homem. A Logoterapia de Frankl adquire seu pleno vigor se conjugado com a profissão de fé em Deus Criador e Consumador do homem. Caso não chegue a tanto, ainda é válida, mas há de ser completada pelo paciente que a aplica a si mesmo.

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Viktor Emil Frankl é médico psiquiatra, judeu, professor universitário em Viena (Áustria) e nos Estados Unidos; é o criador da terceira escola de psicoterapia de Viena – a da Logoterapia que existe ao lado da psicanáli­se de Sigmundo Freud (+1939) e da psicologia individual de Alfred Adler (+1937).

Tem publicado vários livros em que propõe a sua teoria, dos quais já foi apreciado o intitulado “Psicoterapia e Sentido da Vida” em PR 281/ 1985, pp. 329-340; ver também PR 278/1985, pp. 61-65 e PR 310/1988, pp. 131-138. Acaba de sair em português a obra “Um Sentido para a Vi­da”, [1] que em poucos capítulos expõe mais uma vez as idéias do autor.

Tra­ta-se de uma concepção de ser humano e da vida que muito se aproxima da concepção cristã e, por isto, importa divulgar. É o que faremos nas pá­ginas subseqüentes, delineando alguns elementos mais típicos do livro em foco.

1. A Necessidade de Sentido para a Vida

Para Sigmund Freud, o impulso fundamental que a tudo move o ser humano, é o éros ou o apetite sexual. Para Alfred Adler, é o desejo de po­der… Viktor Frankl julga que estas duas escolas não atingem o âmago do problema; a necessidade mais profunda do ser humano seria a de saber o porquê ou o sentido de sua vida; quem não vê o significado de sua existên­cia, cai num vazio existencial, que pode levar ao suicídio. Viktor Frankl quer recuperar tais pessoas mediante a Logoterapia ou o tratamento ligado ao logos ou ao raciocínio, ao pensar sobre os valores da vida. V. Frankl es­creve: “Uma tradução literal do termo ‘logoterapia’ é ‘terapia através do sentido’” (p. 13).

Essa forma de tratamento distingue-se da de Freud pelo fato de que este julga ser necessário que o paciente primeiramente resolva seus problemas edipianos e seus temores de castração para ser feliz e se realizar plenamente. Viktor Frankl, ao contrário, afirma que alguém pode resolver suas neuroses, ligadas ou não ao sexo e não obstante sentir grande vazio dentro de si; é, pois, mais fundamental do que qualquer outro anseio o de encontrar sentido para a vida; descoberto este o indivíduo tem condições de resolver seus outros problemas psicológicos; o inverso porém não se dá.

“Albert Camus afirmou uma vez: ‘Há um só problema verdadeiramente sério e é… estabelecer se vale ou não a pena viver’ (The Myth of Sisyphus New York, Vintage Books 1955 p 3). Recordei-me recentemente desta afirmação quando me foi comunicada uma notícia na qual vejo a confirmação de que o problema de dar sentido para a vida é coisa que hoje obsessiona os indivíduos mais que seus problemas sexuais. Um professor de Instituto médio-superior convidou seus alunos a apresentar lhe qual problema deseja­vam eventualmente aprofundar, com a permissão de fazê-lo de forma anôni­ma. As questões que lhe foram apresentadas, iam desde a toxicodependência ao sexo até a vida em outros planetas. Mas a questão mais freqüente – quem acreditaria? – foi o suicídio” (pp 17s).

Diante das muitas propostas de prazer que a sociedade de hoje ofere­ce, o homem permanece insatisfeito enquanto não vislumbra a razão de ser de sua existência.

V. Frankl encara a tese dos que dizem: “Primeiramente é necessário realizar um padrão de vida satisfatório, só depois os homens pensam em des­cobrir o objetivo e o significado da sua existência”. Responde o psicólogo, observando que os bens materiais e a saúde do corpo são meios,… meios diri­gidos a um objetivo ou a um fim; não são a meta. Sejam almejados, sim, mas sempre como algo de relativo, algo que só tem sentido se o homem descobre o significado geral da sua vida: “Ainda que o alimento seja uma condição ne­cessária para a sobrevivência, ele não é condição suficiente para dar sentido à nossa vida e superar a sensação de vazio e de inutilidade da nossa existência” (p. 27).

Frankl insiste sobre o caráter relativo dos bens materiais, que muitos almejam como se preenchessem todas as aspirações do psiquismo humano:

“Sonhamos que bastava fazer progredir as condições sócio-econômicas de uma pessoa para que tudo caminhasse bem, para que ela ficasse feliz. A verdade é que a luta pela sobrevivência não se acaba, e ponto. De repente brota a pergunta: ‘Sobreviver? Mas para quê?’ Em nossos dias um número cada vez maior de indivíduos dispõe de recursos para viver, mas não dispõe de um sentido para o qual viver

Por outra parte, vemos pessoas que são felizes em condições adversas, mesmo se terríveis. Permitam-se citar um trecho de carta que recebi de Cle­ve W, que me escreveu quando era o número 049246, numa prisão america­na: ‘Aqui na prisão… há muitas e muito agradáveis ocasiões de ser útil e de crescer. Na realidade sou mais feliz agora do que em qualquer outra ocasião’. – Note-se: mais feliz do que nunca na cadeia!” (p 75).

Na nota 3, ao pé da mesma página, observa Frankl:

“Como um de meus antigos assistentes na Universidade de Harvard pôde demonstrar, entre os diplomados daquela escola que chegaram a uma vida de sucesso aparentemente feliz, uma porcentagem significativa queixa­va-se de um profundo senso de futilidade e se perguntava para que servia to­do o êxito obtido. Isto não sugere que aquilo que hoje com freqüência é de­nominado ‘crise de meia-idade’ seja basicamente uma crise de sentido?”.

Mais adiante ainda escreve Frankl, insistindo na mesma experiência;

“De um lado, encontramos pessoas que, apesar do sucesso, são levadas pelo desespero – basta recordar os estudantes do Idaho, que tentaram o sui­cídio apesar de suas condições de bem estar… De outro lado, podemos en­contrar pessoas que, apesar do fracasso, chegaram à auto-realização e à feli­cidade, porque descobriram um sentido para o próprio sofrimento. – A títu­lo de conclusão, citarei duas outras cartas, entre tantas recebidas. Uma de Frank E., que era o número 020640 em uma prisão federal americana:

‘Exatamente aqui na prisão encontrei o sentido de minha existência.

Encontro uma razão em minha vida e este tempo que tenho diante de mim, é apenas uma breve espera da oportunidade de fazer melhor, de fazer mais’.

E de outro detento, de número 552022:

‘Ilustre Dr Frankl,

Nos não poucos meses aqui passados, um grupo de companheiros de desventura tem compartilhado as idéias que o senhor expôs em seus livros e em suas lições gravadas… – Estou constantemente mortificado pelas lágrimas de meus companheiros de grupo quando eles podem compreender que final­mente estão tomando consciência do sentido que jamais imaginavam possí­vel. As mudanças são milagrosas. Todas que antes eram desesperadas e sem ajuda, agora têm sentido. Aqui, na prisão de segurança máxima da Flórida, a cerca de 500 jardas da cadeia elétrica, estamos realizando os nossos sonhos. – Do calvário de Auschwitz surgiu nossa manhã pascal. Do arame farpado e da câmara de gás de Auschwitz nasce o sol..” (p- 36s).

A prevalência do desejo de sentido de vida sobre qualquer outro apeti­te do homem (como, por exemplo, o de alimentação) é ilustrada por Frankl mediante o seguinte episódio:

“No gueto de Theresienstadt foi publicada uma lista com o nome dos cerca de mil jovens que na manhã seguinte seriam retirados do gueto. Quan­do amanheceu o dia, era do conhecimento geral que a livraria do gueto fora esvaziada. Cada um daqueles rapazes – que estavam condenados a morrer no campo de concentração de Auschwitz – pegara um par de livros do poeta, do romancista ou pensador preferido e o escondera na mochila. Quem vai então me convencer de que tinha razão Bertold Brecht quando proclamava em sua ‘Ópera dos três vinténs’: ‘Em primeiro lugar, vem a pança para en­cher, depois a moral’ (Erst Kommt das Fressen, danri kommt die Moral)?”(p. 27)

Conta outrossim Frankl:

“Numa ocasião tive como alunos três oficiais americanos que presta­ram serviço por um longo tempo – até sete anos – em um campo de prisio­neiros de guerra norte-vietnamitas. Pois bem; eles também haviam observado que os prisioneiros que pensavam que havia alguém ou alguma coisa que os esperava, eram os que tinham maior probabilidade de sobreviver. A mensa­gem ou significado que captamos é que a sobrevivência dependia da capaci­dade de orientar a própria vida em direção a um ‘para que coisa ‘ ou um ‘para que pessoa’. Em outros termos, a existência dependia da capacidade de transcender o próprio eu, que é o conceito que introduzi na logoterapia des­de 1949” (p. 29).

Reciprocamente, o vácuo existencial leva ao crime (p. 89), ao sexo li­vre e desenfreado (p. 76), às drogas (p. 21).

A falta de ocupação gera tal vazio no íntimo do homem, que se sente inútil e, por isto, cai no desespero. Muito interessantes são as seguintes pon­derações:

“A riqueza geral da sociedade reflete-se não apenas nos bens materiais, mas também no tempo dedicado ao ócio. A este propósito escutemos o que escreve Jerry Mandel: ‘A tecnologia privou-nos da necessidade de fazer uso de nossas capacidades de sobrevivência. Desenvolvemos um sistema de bem-es­tar que garante que podemos sobreviver sem fazer algum esforço em nosso próprio interesse. Do momento em que apenas 15% da força de trabalho de uma nação poderiam de fato prover às necessidades de toda a população gra­ças ao emprego da tecnologia, devemos enfrentar dois problemas: quais l5% deveriam trabalhar, e como os demais enfrentarão o fato de não serem ne­cessários, com a conseqüente perda do significado de suas vidas. Talvez a lo­goterapia deverá dizer à América do século XXI mais do que já tenha dito àquela do século XX” (p. 18).

Eis outro trecho notável de V. Frankí, que vê na fartura e no bem-es­tar materiais fatores que abatam no ser humano a necessidade de lutar e, por conseguinte, de procurar um sentido para a sua vida; estas circunstâncias são nocivas, em vez de ser valiosas para a pessoa:

“Hoje muita gente não consegue mais encontrar o sentido e o objetivo da vida. Em contraste com as descobertas de Sigmund Freud, o homem não é mais, em primeiro lugar, um frustrado sexual, mas um ‘ser existencialmen­te frustrado’, e em contraste com as descobertas de Alfred Adler, sua queixa maior não é mais o sentimento de inferioridade, mas sim a sensação de futili­dade, a sensação de falta de sentido e de vazio, que eu denominei ‘o vazio existencial’. Seu sintoma mais sensível é o tédio. Arthur Schopenhauer, no século passado, afirmou que a humanidade precisa de estar condenada eter­namente a vacilar entre os dois termos da necessidade e do tédio. Hoje che­gamos a este último extremo. A sociedade afluente deu a vastos segmentos da população os recursos, mas as pessoas não conseguem perceber um objeti­vo’, um ‘sentido para o qual viver’. Acresce que vivemos em uma sociedade do ócio. Cada vez mais as pessoas têm mais tempo livre, mas não há nada que possua um sentido pelo qual valha a pena gastá-lo. Tudo isso leva à conclu­são óbvia de que, na medida em que o homem economiza tensões e empe­nho, ele perde a capacidade de suportá-los. Mais importante: …. perde a capacidade de renúncia. Mas Hoelderlim estava certo quando disse que, lá onde o perigo ameaça, ali a salvação está próxima” (p.87).

2. Refletindo…

Em última análise, V. Frankl valoriza tanto a necessidade de sentido da vida, colocando-a acima dos apetites de bens materiais, porque ele admite no ser humano algo que transcende a corporeidade e que ele chama “o eu espiritual”.[2] Precisamente a “presença e a força desafiadora do espírito” são os elementos-chaves da Logoterapia, que lhe permitem o exercício otimista de suas atividades. É ainda V. Frankl quem narra:

“Recordo-me de um episódio que me aconteceu quando eu tinha tre­ze anos. Um dia meu professor de ciências passeava entre os bancos da classe e ensinava aos alunos que, no fundo no fundo, a vida não era senão um pro­cesso de combustão, um processo de oxidação. Eu levantei-me e sem pedir permissão, como era ainda costume, lancei-lhe a pergunta: ‘Que sentido tem então a vida?’ Naturalmente ele não podia responder-me porque era um re­ducionista”[3] (p. 31)

Com outras palavras: V. Frankl soube afirmar o primado dos valores espirituais e morais sobre os bens meramente materiais. E o fato de que no homem existe uma alma (psyché) espiritual que permite à pessoa ultrapassar os bens materiais e encontrar sua plena realização mesmo quando estes fal­tam. A linguagem de Frankl é lacônica quando se refere aos valores transcen­dentais, capazes de dar sentido à vida humana; certamente é Deus, o Ser Ab­soluto (a Verdade e o Bem Supremo) e Deus só, quem pode responder plenamente às aspirações do ser humano.

Frankí, porém, é reservado quando trata de Deus; não quer definir se é diferente do próprio intimo do homem ou se identifica com este. Eis as suas ponderações:

“O conceito de Deus não há de ser necessariamente teístico. Quando eu tinha quinze anos ou por aí cheguei a uma definição de Deus que agora, na velhice, me volta cada vez com maior freqüência à mente. Eu a diria uma definição operacional. E assim: Deus é o parceiro de teus solilóquios mais íntimos. Cada vez que tu falas contigo mesmo com a máxima sinceridade e em absoluta solidão, aquele a quem te diriges pode ser legitimamente chamado Deus. Tal definição evita a dicotomia entre concepções teísticas e ateísticas do mundo. A diferença entre estas aparece só mais tarde quando a pessoa sem religião insiste em afirmar que seus solilóquios são apenas monólogos solitários, e a pessoa religiosa ao contrário interpreta os seus como diálogos verdadeiros com alguém real. Penso que o que conta acima de tudo e mais que qualquer outra coisa será a maior sinceridade e honestidade. Se Deus verdadeiramente existe ele com certeza não irá discutir com aqueles que não têm religião porque eles o confundem com o próprio eu e o denominam de maneira inadequada (p. 56)

V. Frankl não deu o passo do meramente subjetivo para o objetivo ou do Imanente para o realmente Transcendente. Na verdade, Deus não é apenas o íntimo do sujeito pensante, mas é o grande Tu transcendente que a Bíblia apresenta como o Criador e o Consumador do homem. Firmada sobre este conceito de Deus a Logoterapia toma valor e vigor que não tem quando se reduz à procura de um genérico sentido de vida. Como quer que seja, a obra de V. Frankl é meritória pois liberta o homem dos horizontes dos valores meramente materiais, abre-lhe novas perspectivas, ajuda-o a ser independente dos altos e baixos da vida presente para levá-lo à Transcendência….

Transcendência que em última análise é o próprio Deus. Com razão diria S Agostinho: ”Senhor, Tu nos fizeste para Ti e inquieto é o nosso coração enquanto não repousa em Ti” (Confissões I 1).

A propósito assinalamos ainda o livro de Elisabeth Lucas: Logoterapia.

A força desafiadora do espírito. Métodos de Logoterapia(Ed. Loyola, São Paulo 1989), Esta obra completa a de V. Frankl, entrando na área da Clíni­ca prática.

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NOTA:

[1] Ed. Santuário. Caixa Postal 4, 12570A parecida (SP), l35x 205 mm, 159pp.

[2] “Na morte… a pessoa nada mais tem à sua disposição: nem mente, nem corpo; ela perde seu ego psicológico. O que lhe resta, é o self, o eu espiri­tual” (p. 101).

[3] Reducionista é aquele que reduz a verdade ao mínimo ou aquilo que os sentidos podem apreender ou talvez aquilo só que a razão pode perceber.