Abandono nas mãos de Deus

Gostaria de falar esta semana sobre o abandono nas mãos de Deus.

Como bem sabemos, o nosso corpo não sobrevive se não come, bebe e descansa. São necessidades vitais para a sua existência. Da mesma forma, podemos dizer que a alma não sobrevive se não aprende a abandonar-se nas mãos de Deus.

Sem o abandono nas mãos de Deus a alma sofre, padece, se angustia. Um sinal claro de que a alma já está padecendo é a ansiedade.

E a ansiedade hoje é epidêmica. Uma grande porcentagem da população sofre hoje desta doença. No entanto, a ansiedade não existiria se soubéssemos nos colocar muitas vezes no colo de Deus.

Veja o que conta um autor a este respeito:

Pregava um retiro numa fazen­da de Miguel Pereira, próxima ao Rio de Janeiro, e estando já deitado, escutei um gemido lancinante que provinha do jar­dim. Procurei cobrir-me bem com o cobertor, para não ouvi-lo e poder dormir. Mas não conseguia. Era um lamento agudo, persistente. Parecia o pranto de uma criança. Que estranho! Levantei-me. No meio da noite escura o lamento parecia-me mais dramático e menos humano. Fui me aproximando pouco a pouco, enquanto o gemido lastimoso ia aumentando. De re­pente, encontrei no meio da relva um cachorrinho assustado, abandonado e tremendo de frio. Então, dei-me conta de que a cadela da fazenda — a “Baronesa”, como a chamavam — aca­bava de ter seus filhotes. Recolhi entre as minhas mãos um deles e o coloquei à altura de meu rosto. Continuava gemendo, e com seus pequenos olhos parecia me perguntar: “Quem é você?”. E eu lhe respondi: “Sou seu amigo, não se preocupe que vou levá-lo a sua mãe”. E comecei a acariciá-lo, enquanto ele agitava alegremente o rabinho e farejava meu rosto. Come­çou a lamber-me uma e outra vez. Confesso que fiquei encan­tado. Comecei a sentir uma ternura que poderia chamar de paterna. A solidão, o abandono e a fragilidade dessa criaturinha, na escuridão e no frio da noite, fazia-me sentir verdadeiramen­te enternecido. Coloquei, então, o cãozinho no peito da “Ba­ronesa” e ele começou a mamar esfomeadamente. Poucos mi­nutos depois estava dormindo tranquilamente, debaixo do olhar protetor de sua mãe.

Já deitado novamente, invadiu-me uma profunda emo­ção. E pensei: se eu, que não tenho nada a ver com esse animalzinho, senti uma ternura tão grande diante de sua tris­teza e de seu abandono, quanto mais sentirá por mim, no meio dos meus gemidos, o Pai que me criou, que me esco­lheu para si “antes de criar o mundo” (Ef 1,4) e que me amou a ponto de entregar seu Filho para morrer por mim numa cruz. Foi então que, pela primeira vez, de modo espontâneo, comecei a clamar: papai, papai, papai… e não conseguia parar. Foi, sem dúvida, o Espírito Santo. Agora, quando me sinto só, recor­do-me de um pobre cachorrinho gemendo no meio da noite e, como por reflexo condicionado, vêm-me aos lábios estas palavras: papai, papai, papai (…) ajuda-me, papai, estou nas tuas mãos… (Rafael Llano Cifuentes, Não temais, não vos preocupeis, Ed. Paulus, p. 4-5).

Que segurança nos dá o “colo de Deus”!!! O que poderá diante de nós o medo da frustração, do fracasso, da solidão, da doença, da dor se estamos no “colo de Deus”? Quando nos colocamos no “colo de Deus” experimentamos aquelas palavras de Jesus: “No mundo haveis de ter aflições. Coragem! Eu venci o mundo” (Jo 16,33), e invade então na nossa alma uma paz inabalável, a toda prova.

O que poderemos temer se estamos no colo de Deus onipotente? O que poderemos temer se nos colocamos nos braços de um Pai tão carinhoso e pronto a fazer tudo para nos ajudar?

Mas não esqueçamos: o abandono é um exercício!!! Não se aprende a abandonar-se nas mãos de Deus de uma hora para a outra. Custa o abandono, pois todos temos o vício da auto-suficiência: querer resolver tudo sozinho. Depois custa o abandono porque para abandonar é preciso confiar cegamente em Deus. E a nossa confiança em Deus, se não nos empenhamos em fazê-la crescer diariamente, costuma ser muito pequena.

A paz da alma, a saúde da alma, é o abandono!!! Comecemos a exercitá-lo diariamente e veremos como podemos viver neste mundo “tão louco”, mas, ao mesmo tempo, em profunda paz.

Uma santa semana a todos!

Pe. Paulo

Sobre o autor