Liberdade interior (II)

Como vimos na semana passada, todo o problema para encontrarmos a paz está dentro de nós e não fora de nós.
Por fora pode ocorrer o que for: desastres, catástrofes, guerra, bombardeio, etc. Mas isto não é o decisivo: o decisivo é o nosso interior: se alcançarmos a liberdade interior, reinará a paz no nosso coração.
E a primeira ideia que Jacques Philipe no seu livro “A liberdade interior” ressalta é que é o amor que liberta, é o amor que fundamenta toda a liberdade interior.
Vejamos como ele explica isto:
A estreiteza está em vossos corações
 
Para ajudar a compreender a natureza deste espaço de li berdade interior que cada um traz em si e que ninguém pode usurpar, gostaria de contar uma pequena experiência que tive com Santa Teresinha do Menino Jesus e que me fez crescer bastante.
 
Há muitos anos, Santa Teresinha é uma amiga muito cara e, pessoalmente, aprendi enormemente em sua escola de simplicidade e confiança evangélicas. Há dois anos, em uma das primeiras ocasiões em que suas relíquias deixariam o Carmelo para veneração nas cidades que as haviam soli citado (creio que na cidade de Marseille), eu me encontrava em Lisieux. As irmãs carmelitas haviam pedido a irmãos da comunidade Beatitudes para ajudar a transportar o pesado e precioso relicário até o carro que o conduziria a seu destino. Ofereci-me como voluntário para a agradável tarefa e isso me deu uma oportunidade inesperada de entrar no claustro do Carmelo de Lisieux e descobrir, com alegria e emoção, os locais onde Teresinha viveu: a enfermaria, o coro, a lavan deria, o jardim com a alameda de nogueiras. Locais que eu conhecia através dos escritos da santa em seus Manuscritos Autobiográficos. Na visita, um detalhe me impressionou: os locais eram bem menores do que eu havia imaginado. Um exemplo: Teresinha, ao final de sua vida, evoca com humor suas irmãs que passavam e faziam questão de dar-lhe uma palavrinha quando iam recolher o feno. O grande campo de feno que eu havia imaginado, entretanto, era do tamanho de um lenço de bolso!
 
A evidência inesperada da pequenez dos locais onde havia vivido Teresinha me fez refletir muito. Percebi a que ponto ela havia vivido em um mundo bastante reduzido aos olhos humanos: um pequeno Carmelo no interior, de uma arquitetura banal, um jardim minúsculo, uma pequena comunidade formada de religiosas cuja educação, cultura e maneiras frequentemente deixavam a desejar, um clima no qual o sol nem sempre aparecia… E uma existência tão breve neste monastério, dez anos! No entanto – e este é o paradoxo que me impressionou – quando se lê os escritos de Teresa não se tem de forma alguma a impressão de uma vida passada em um mundo estreito. Muito ao contrário. Se ultrapassarmos certas limitações do seu estilo, percebemos em sua maneira de exprimir-se, em sua sensibilidade espiri tual, uma impressão de amplidão, de maravilhosa dilatação. Teresa vive em horizontes muito largos: os da misericórdia infinita de Deus e de seu desejo ilimitado de amá-lo. Sente-se como uma rainha que tem o mundo inteiro a seus pés, uma vez que ela tudo pode obter de Deus e, pelo amor, estar em todos os pontos do universo onde um missionário ne cessite de sua oração e de seus sacrifícios!
 
Seria necessário um estudo filológico sobre a impor tância dos termos que em Teresinha exprimem a dimen são iluminada do universo espiritual no qual ela se move: “horizontes infinitos” “desejos imensos”, “oceanos de graça”, “abismos de amor”, “torrentes de misericórdia” e assim por diante (…)
 
Por que o mundo de Teresa, humanamente tão estreito e pobre, dá a impressão de ser tão amplo e dilatado? Por que uma tal impressão de liberdade se difunde de sua descrição da vida do Carmelo?
 
Muito simplesmente porque Teresa ama intensamen te. Ela está abrasada do amor por Deus, de caridade para com as irmãs. Abraça a Igreja e o mundo inteiro consigo, com uma ternura de mãe. Eis o seu segredo: ela não se sente prisioneira em seu pequeno convento porque ama. O amor transfigura tudo e dá um toque de infinito às coisas mais ba nais. Todos os santos fizeram a mesma experiência: “o amor é um mistério que transfigura tudo o que toca em coisas be las e agradáveis a Deus. O amor de Deus faz a alma livre. Ela é como uma rainha que não conhece o peso da escravidão”, exclama Santa Faustina em seu Diário Espiritual.
 
Refletindo sobre isso, veio-me à mente uma frase de São Paulo aos cristãos de Corinto: Não é estreito o lugar que ocupais em nós. “Estreito sim, é o vosso íntimo” (2Cor 6, 12). 
 
Muito frequentemente, nos sentimos mal, sem liberda de em uma determinada situação, em nossa família, nosso ambiente. Mas talvez o problema esteja em outro lugar: é em nosso coração que não nos sentimos bem, não nos sentimos livres. É nele que está a origem de nossa falta de liberdade. Se escolhemos amar sempre, o amor dará dimensões infini tas à nossa vida e não nos sentiremos mais aprisionados.
 
Não quero dizer que não haja, às vezes, situações ob jetivas a serem mudadas, circunstâncias opressoras ou an gustiantes que precisam ser remediadas para que o coração desfrute de uma real liberdade interior. Mas creio que bem frequentemente desenvolvemos uma certa ilusão. Acusamos o ambiente, enquanto a verdadeira questão está em outro lu gar. Nossa falta de liberdade vem de uma falta de amor: pen samos ser vítimas de um contexto desvantajoso e, no entanto, o verdadeiro problema (assim como a solução) está em nós mesmos. E nosso coração que está prisioneiro de seu ego ísmo ou de seus medos e que deve mudar, aprender a amar e deixar-se transformar pelo Espírito Santo. Este é o único meio de sair do sentimento de mal-estar e falta de liberdade que nos invade. Quem não sabe amar se considerará sempre injustiçado e se sentirá pouco à vontade onde quer que se encontre. Quem sabe amar não se sentirá mal ou pouco à vontade em lugar algum. Eis o que me ensinou Teresinha. Além disso, fez-me compreender outra coisa importante, da qual falaremos mais tarde: nossa incapacidade de amar vem muito frequentemente de nossa falta de fé e de esperança (Jacques Phillipe, A liberdade interior, Ed. Shalom, 2007, pp. 15-18).
Pensar, como diz Jacques Philippe, se não estamos “prisioneiros” do nosso egoísmo ou do desejo de que o mundo seja da nossa maneira. É o mesmo que dizer: “o mundo é para mim”. De fato, se pensarmos assim, este mundo será para nós, muitas vezes, um grande inimigo. Mas não é assim que devemos pensar! Devemos pensar assim: “eu sou para o mundo”, “eu estou aqui para dar amor ao mundo, para dar amor a Deus e ao próximo”. Isto liberta!!!
Uma santa semana a todos!

Pe. Paulo.

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